quinta-feira, 16 de abril de 2015

Agrotóxicos e câncer: irresponsabilidade torna-se explícita


Instituto Nacional do Câncer estabelece relação entre doença e venenos agrícolas. Governo e Congresso insistem em manter política que incentiva, com isenção de impostos, uso maciço do produto
Por Inês Castilho
Finalmente o assunto recebeu a divulgação que merece. No Dia Mundial da Saúde, 8 de abril, o veneno que está em nossa mesa foi apontado pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer) como causador de vários tipos de câncer – e a informação, sempre abafada, chegou aos telejornais. Relatório sobre o uso de agrotóxicos nas lavouras alerta para a gravidade do problema para a natureza, os trabalhadores e toda a população. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo: mais de um milhão de toneladas por ano, ou 5,2 kg por habitante.
Cerca de 280 estudos sobre a relação entre câncer e pesticidas vêm sendo publicados anualmente em revistas científicas internacionais – ressaltou o pesquisador do Inca Luiz Felipe Ribeiro Pinto, no lançamento do documento – quatro vezes mais que vinte anos atrás. O Inca recomenda criar políticas de controle e combate desses produtos, cujos fabricantes são isentos de impostos!, para proteger a saúde da população. Apoia o consumo de alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos, e reivindica políticas públicas que apoiem a agroecologia com mais recursos – hoje, muito menores que os carreados para o agronegócio. Recorda que o país isenta de impostos a indústria produtora de agrotóxicos. Alerta que o Brasil permite o uso de agrotóxicos proibidos em outros países.
“No Brasil, a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões entre 2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$ 8,5 bilhões em 2011. Assim, já em 2009, alcançamos a indesejável posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante”, informa o Inca.
Contudo, são venenos para nós e o ambiente. Para quem trabalha em contato direto com eles, o risco é de intoxicação aguda, caracterizada por irritação da pele e olhos, coceiras, dificuldades respiratórias, convulsões e até morte. Landa Rodrigues, 40 anos, desde criança trabalhadora com agrotóxicos na lavoura em Teresópolis (RJ), conta que aos 20 anos começou a sentir os olhos arderem e incharem. Nunca mais voltariam ao normal, e hoje enxerga pouco. Há muitas outras vítimas na sua região, conta. “Câncer aqui é igual epidemia de dengue no Rio. Não falta caso para contar.” Seu pai, tio e avô morreram de câncer, assim como vizinhos. [1]
Já quem ingere – os 99% da população brasileira – pode ter intoxicação crônica, que demora vários anos para aparecer, resultando em infertilidade, impotência, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer. Que tal? Quantas doenças de hoje, muitas femininas, não teriam a ver com esses venenos que ingerimos como alimentação? Lembremos aqui o leite materno contaminado de Lucas do Rio Verde.
“Mês passado, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) publicou relatório no qual classificou cinco agrotóxicos como ‘provavelmente’ ou ‘possivelmente’ cancerígenos, dos quais três são permitidos no Brasil pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Diante da publicação, o órgão afirmou que reavaliará a segurança dos produtos. No Brasil, além disso, pelo menos outras dez substâncias usadas na lavoura estão proibidas em países como Estados Unidos e os da União Europeia. E mesmo proibidos ou não, as evidências científicas não garantem a segurança dos agrotóxicos, critica o Inca.”
Mais impactante, o aumento do consumo se deu com a liberação e expansão das lavouras de transgênicos. “É importante destacar que a liberação do uso de sementes transgênicas no Brasil foi uma das responsáveis por colocar o país no primeiro lugar do ranking de consumo de agrotóxicos, uma vez que o cultivo dessas sementes geneticamente modificadas exigem o uso de grandes quantidades destes produtos.” – afirma o relatório. Ironicamente, um dos argumentos favoráveis a sua liberação era de que reduziriam o uso de agrotóxicos, visto que a semente geneticamente modificada vinha justamente combater as pragas de cada lavoura.
O Brasil é hoje – recorde alarmante – o segundo maior produtor mundial de transgênicos, com mais de 48 milhões de hectares plantados com sementes geneticamente modificadas: 65% do algodão, 93% da soja, 82% do milho que consumimos são transgênicos. Assim, podemos estar ingerindo transgênicos + veneno não apenas nos alimentos in natura, mas também em muitos produtos industrializados, tais como biscoitos, salgadinhos, pães, cereais matinais, lasanhas, pizzas e outros que tenham como ingredientes o milho e a soja, por exemplo. Assim, olho vivo nos rótulos de supermercados: veremos que as milharinas da vida, outrora inocentes farinhas de milho do mingau, contêm aquele T da transgenia (que por sinal tem projeto de lei para tentar esconder).
O Inca não poderia ter sido mais contundente em seu alerta à população e ao governo. “Ainda podem estar presentes nas carnes e leites de animais que se alimentam de ração com traços de agrotóxicos, devido ao processo de bioacumulação. Portanto, a preocupação com os agrotóxicos não pode significar a redução do consumo de frutas, legumes e verduras, que são alimentos fundamentais em uma alimentação saudável e de grande importância na prevenção do câncer. O foco essencial está no combate ao uso dos agrotóxicos, que contamina todas as fontes de recursos vitais, incluindo alimentos, solos, águas, leite materno e ar. Ademais, modos de cultivo livres do uso de agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e leguminosas, como os feijões, com maior potencial anticancerígeno.” – afirma o Inca.
Não há fiscalização de fato para o uso do veneno. Os últimos resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa revelaram amostras com resíduos de agrotóxicos em quantidades acima do limite máximo permitido e com a presença de substâncias químicas não autorizadas para o alimento pesquisado. Constataram também a existência de agrotóxicos em processo de banimento pela Anvisa ou que nunca tiveram registro no Brasil.
Outras questões merecem destaque, recorda o Inca. Uma delas é o fato de o Brasil ainda realizar pulverizações aéreas de agrotóxicos, que ocasionam dispersão destas substâncias pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo populações. A outra é a isenção de impostos que o país continua a conceder à indústria, um grande incentivo ao seu fortalecimento, na contramão das medidas recomendadas. E ainda, o fato de o Brasil permitir o uso de agrotóxicos já proibidos em outros países.
Na grande mídia, o Ministério da Saúde e a indústria de agrotóxicos e transgênicos limitaram-se a negar as evidências apontadas pelo Inca, órgão do próprio Ministério. Na contramão de todas as evidências, a CTNbio acaba de aprovar o plantio de eucalipto transgênico:
Ao longo dos últimos anos, o Inca tem apoiado e participado de diferentes movimentos e ações de enfrentamento aos agrotóxicos, tais como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Estado do Rio de Janeiro, o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, a Mesa de Controvérsias sobre Agrotóxicos do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea e os documentários “O Veneno Está na Mesa 1 e 2”, de Silvio Tendler.
Além dos efeitos tóxicos evidentes descritos na literatura científica nacional e internacional, as ações para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos têm como base o Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA (previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Decreto nº7.272, de 25/08/2010), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta – PNSIPCF (Portaria nº 2.866 de 02/12/2011), a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da #rabalhadora (Portaria nº 1.823, de 23/08/2012) e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO (Decreto nº 7.794, de 20/08/2012).


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