terça-feira, 29 de novembro de 2016



Um balanço da política agrícola de Temer e do Congresso: liberação total de agrotóxicos, importação de transgênicos sem testes, tentativa de sujeitar às grandes empresas do agronegócio até mesmo produtores tradicionais de batata, mandioca e feijão…
Leonardo Melgarejo, entrevistado no site do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) http://outraspalavras.net/
Em entrevista especial concedida à Comunicação do Movimento do Pequenos Agricultores (MPA), Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo e doutor em Engenharia de Produção, fala sobre as mudanças na legislação, voltadas ao campo, que estão sendo feitas no Brasil, a permissão da importação de milho transgênico, o avanço do agronegócio e a sua legitimação por meio do legislativo sob a justificativa de alimentar o mundo. Ele, que é integrante do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade (GEA), presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN) e coordena o Grupo de Trabalho sobre Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), foi membro da CTNBio de 2008 a 2014. É hoje professor colaborador do Mestrado Profissional em Agroecossistemas, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A seguir, a entrevista:
Neste cenário de golpe e com o processo de retirar direitos, o que está em risco na legislação relativa a soberania alimentar e produção da agricultura familiar e camponesa?
Leonardo Melgarejo: O Movimento dos Pequenos Agricultores é uma das organizações mais importantes de sustentação da democracia no país hoje, especialmente com as mudanças que estão acontecendo no meio rural e que de fato ameaçam a todos nós.  O golpe é muito amplo, tem muitas caras, multifacetado. Envolve ações no Executivo — no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no desmonte de programas importantes para o desenvolvimento da Agricultura Familiar, nos programas de desenvolvimento social que ajudam em várias áreas do desenvolvimento do país e programas de estruturação da produção dos pequenos agricultores, dos camponeses, dos povos e comunidades tradicionais.
Mas ele também entra no Legislativo, na medida em que propõe alterações de leis que estão em vigor e são importantes para nós, e introdução de novas leis, que ameaçam todos os processos de construção das organizações sociais, como no caso do MPA. Uma das preocupações importantes diz respeito à Lei dos Agrotóxicos, por meio de um projeto de lei (PL) que vem do Rio Grande do Sul, do deputado Covatti Filho, e que foi agora agregada a um projeto de lei do Ministro Maggi, quando ainda era senador.
As modificações são brutais. Para começar, ele retira a palavra agrotóxicos de cena. Esse veneno que vem causando muitos danos, para muita gente do Brasil todo, passaria a ser chamado de defensivo fitossanitário. Isso cria uma confusão, porque nos programas de agroecologia e de produção orgânica a expressão defensivo fitossanitário é usada para classificar coisas que são utilizadas na produção limpa, como urina de vaca, calda de urtiga, calda de fumo, calda bordalesa. São defensivos fitossanitários, não são agrotóxicos porque não causam esse tipo de intoxicação, de doenças e problemas para a saúde que os venenos agrícolas causam.
Esse projeto de lei faz outras coisas. Os profissionais da área de saúde no Brasil são ligados ao ministério da Saúde, têm uma carreira relacionada à avaliação de danos à saúde, fazem concurso público e acompanham as movimentações na escala internacional. Também há os profissionais do ministério do Meio Ambiente, pessoas que são concursadas, estudam este tema e fazem as Análises de Impacto Ambiental. Hoje os agrotóxicos, para serem aprovados no Brasil, têm de ser analisados pelos profissionais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelos profissionais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). Eles também têm de ser analisados pelos profissionais do Ministério da Agricultura sob o ponto de vista da conveniência e da oportunidade. Esse projeto de lei tira a responsabilidade dos profissionais da saúde e do meio ambiente e atribui a um grupo criado por indicação do ministério da Agricultura a faculdade de dizer se podem ser usados ou não no Brasil.
Para a gente ter um exemplo claro, em 2013 houve uma grande infestação de uma lagarta que não morria com o milho transgênico e essa lagarta criou uma situação de perda na lavoura, principalmente no estado da Bahia e depois no resto do Brasil, que fez o Ministério da Agricultura decretar um Estado de Emergência Fitossanitária. Em consequência, o ministério da Agricultura autorizou a importação e uso de um veneno muito perigoso, que era proibido no Brasil: o benzoato de emamectina. Ele não tinha sido autorizado pela Anvisa por ser neurotóxico. Para salvar a safra, o ministério da Agricultura decretou que poderia ser usado. Essa mesma leitura de que uma safra é mais importante que a saúde de toda a população vai valer, nós imaginamos, numa comissão criada pelo ministério da Agricultura que elimina as avaliações da Anvisa e do Ibama. Aquele produto químico havia sido proibido pela Anvisa. Neste projeto de lei, a interpretação é que algumas instâncias públicas estão dificultando muito a tomada de decisão de interesse do agronegócio porque levam muito tempo para a aprovação desses produtos. E para superar isso que eles entendem como dificuldades, tira-se dos profissionais da área a competência de analisar, cria-se uma comissão específica indicada por um único ministério que já demonstrou seu interesse predominante e alteram-se as condições de risco para a população, para toda a população brasileira. Querem “acelerar” as análises de risco. Nós pensamos o oposto. As análises devem ser mais detalhadas, mais cuidadosas. Não mais rápidas.
Imagine o que que é um herbicida. É um produto agressivo, é um mata-mato, não defende nada de ninguém, não é um defensivo fitossanitário, é um herbicida agressivo. Quem vai avaliá-lo? Ele deixou de ser um agrotóxico e passou a ser um produto químico sem classificação adequada. As análises de produtos como 2.4-D ficam no limbo. Não sabemos que destino terão. Esse é um dos projetos de lei que ameaçam e ganham corpo neste momento de golpe.
Outro projeto é uma alteração nas Leis de Cultivares. Ela diz o seguinte: sabemos que os produtos transgênicos são de propriedade das empresas que inseriram no milho e na soja um gene patenteado, o que dá para a empresa o direito de cobrar pelo uso daquela tecnologia. A interpretação do deputados Dilceu Sperafico, que propôs a alteração na Lei dos Cultivares, é a seguinte: ele diz que os pesquisadores não são estimulados a criar novas variedades mais produtivas, mais interessantes, se não são transgênicas — porque eles não têm direito de cobrar royalties sobre o uso dessas variedades. Na nova Lei de Cultivares, as novas cultivares que tiverem características inovadoras, e forem protegidas pela lei de cultivares, vão obrigar o produtor a pagar para usar, a pagar de novo quando colher e quiser replantar, a pagar se quiser vender e, se isso não for cumprido, estarão cometendo um crime. Como essas variedades podem ser qualquer variedade não transgênica, essas características que dão o direito de cobrança pelo uso em breve estarão presentes na batata-doce, na mandioca, na batata inglesa, em todos os produtos que nós utilizamos e que vão poder ser desenvolvidos por melhoristas. Quando a gente fala em ser desenvolvidos por melhoristas, pensa que pode ser um agrônomo, um técnico agrícola que está trabalhando para qualificar o produto. Nas não é assim: são as grandes empresas transnacionais, que têm esses profissionais como seus empregados e vão ser as donas das patentes desses cultivares. Nós vamos ter as patentes dos produtos transgênicos cobradas no mercado. E teremos os cultivos tradicionais cobrados com base na Lei dos Cultivares.
Se essa legislação for aprovada, a saída seria o agricultor não usar esses cultivares protegidos por lei. A saída seria estimular os bancos de sementes, como o MPA vem fazendo. Nós precisamos de mais bancos de sementes difundidos em todo Brasil. Não é só com milho e feijão. Estamos falando também de tubérculos, de manivas. São produtos colhidos e selecionados pelo agricultor, acompanhados em termos da qualidade que oferecem, na medida em que o clima está mudando — porque essa mudança do clima faz com que a plantas se transformem. Essa seleção coloca em cada lugar a variedade crioula, a “cultivar crioula”, desenvolvida pelo agricultor no seu ambiente, incorporando as mudanças do clima. Por isso, o processo de coevolução é importante: é uma espécie de pesquisa científica de alto valor para humanidade, que só pode ser desenvolvida por centenas, milhares de agricultores com seus bancos de sementes. Isso está ameaçado com essas mudanças da legislação e nós imaginamos que, nesse processo de transformação que vem ocorrendo na Câmera dos Deputados, é possível que em breve se aprove a Lei das Plantas com Restrição Reprodutiva, chamadas de GURT na sigla em inglês, mas que nós conhecemos melhor como Terminator. Imaginamos que em breve as plantas não vão mais gerar grãos, elas não produzirão sementes viáveis. Plantas não férteis vão ser aprovadas com base em outro discurso, que é o de que nós temos de combater a fome trabalhando com plantas biofortificadas.
As empresas dizem que essas plantas biofortificadas, que teriam um teor maior de ferro, zinco ou de fósforo, devem ter essa restrição reprodutiva, de tal maneira que não exista o risco de serem consumidas inadvertidamente. Só quem comprar essa semente poderia cultivar e utilizar. Com isso, pretende-se aprovar essa tecnologia de restrição reprodutiva, outra ameaça muito grande. Se essa característica de restrição reprodutiva for passada para um banco de sementes de um camponês, esse banco de sementes perde a sua utilidade, a sua validade, a sua condição reprodutiva.
Sobre a importação do milho transgênico, aprovada pela CTNBio, é um processo de ignorância?
Para que o milho ou qualquer outro produto transgênico entre no Brasil, só há dois caminhos. Tem que entrar em pequenas quantidades para que se façam os estudos, que são importantes porque o clima e o ambiente afetam o potencial genético. As plantas expressam suas características interpretando as condições do ambiente. É fácil a gente entender que é difícil produzir maçã na Campanha Gaúcha, mas é fácil produzir em Vacaria, porque o clima de Vacaria é melhor interpretado pelo potencial genético daquelas mudas de maçã. A gente percebe isso com mais clareza quando pensamos em produzir castanha do Pará no Rio Grande do Sul. O clima não permite, embora a gente traga a melhor muda lá de cima. Se a muda, se a planta, se a condição biológica depende do ambiente para se expressar, é evidente que um milho que faça sucesso nos Estados Unidos tem que ser testado aqui, nas nossas condições biológicas.
Por isso, as variedades transgênicas que não foram desenvolvidas em nossas condições entram em pequenas quantidades, em saquinhos com dupla proteção que são transportadas em carros especiais até as Unidades de Pesquisa, onde uma equipe especializada cuida delas. Se importar um quilo de semente e forem usadas 900 gramas, é preciso provar que se queimaram as outras 100 gramas. Há todo um controle para a entrada de produtos transgênicos para serem avaliados nas condições de ambiente brasileiro, para depois gerar informações sobre as suas reações aqui, e poderem ser transformados em produto comercial, aprovado pela CTNBio. Só depois de autorizado para se cultivar no Brasil — essas autorizações dependem de testes de campo — é que pode ser produzido em larga escala e também ser importado para ser vendido no Brasil.
Este ano o Brasil viu num determinado momento, na imprensa, o desejo de importação de 1 milhão de toneladas de milho transgênico dos Estados Unidos. Não tinha sido testado no Brasil, submetido às nossas condições ambientais. O pedido de importação foi feito com o seguinte argumento: não vai ser plantado no Brasil, vai ser destruído e transformado em ração — portanto, não precisa ser testado aqui. A aprovação foi feita com base nesse argumento, mas a situação é paradoxal. Havia duas variedades nunca cultivadas no Brasil, uma delas é um milho modificado geneticamente para produzir etanol, que nos Estados Unidos não é direcionado à cadeia de alimentos. O processo da empresa dizia que existiam cuidados especiais para que esse produto não fosse destinado à cadeia de alimento, mas destinado a caldeiras para ser transformado em álcool, e no Brasil foi importado como ração. E sobre outro milho, desenvolvido para tolerância à seca nos Estados Unidos, a empresa argumentava que poderia oferecer um rendimento de até 6% de vantagem em relação ao milho tradicional. Se a seca não fosse muito forte ou não acontecesse fora do período que eles imaginavam, numa determinada fase do ciclo.
Perceba-se: milhões de dólares investidos numa tecnologia que aparentemente não funciona bem nos Estados Unidos, mas é vendida como de tolerância à seca. O risco que nós imaginamos é: um caminhão sai do porto carregado de milho; caem grãos na estrada; esses grãos germinam, geram pólen, que vai contaminar outras variedades de milho. Não sabemos que aplicação vai ter porque nós nunca testamos esse tipo de transgênico no Brasil.
Karen Friedrich, pesquisadora e representante do Ministério de Desenvolvimento Agrário na CTNBio, aponta que faltam estudos de campo, faltam estudos com a saúde, faltam os estudos de Sanidade Animal. Mesmo com todos esses argumentos ela teve seu voto e parecer negados, inclusive com voto do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O representante titular do MDA, nomeado recentemente, votou por escrito contra o parecer, numa atitude que nos parece incompreensível, à medida que os dois representavam o mesmo ministério e o primeiro parecerista, a doutora Karen, apresentou um documento substanciado por escrito. O segundo representante não tinha sequer lido o processo, votou contra um documento preparado em defesa dos interesses defendidos pelo MDA. Fez isso supostamente atendendo a pressões ou atendendo à opinião dos demais membros da CTNBio que votaram pela aprovação do milho, desconsiderando um argumento muito forte no interesse da agricultura familiar, da saúde da população. Pela primeira vez, tivemos uma possibilidade de entrada no Brasil de uma quantidade enorme de milho que nunca foi estudado no país  e que possivelmente vai ser cultivado de uma maneira inadequada, inconveniente. Acreditamos que isso é muito perigoso, que essa situação permite dúvidas a respeito da necessidade da CTNBio, dado que este é um caso paradoxal.
É possível que, com todas essas contradições e esse avanço desenfreado do agronegócio, o Brasil volte a fazer parte do Mapa da Fome da ONU?
O grande salto que o Brasil deu na qualidade de vida da população e permitiu ao país sair do Mapa da Fome deveu-se a iniciativas no campo do saneamento básico, do empoderamento da Agricultura Familiar e Camponesa, do fortalecimento do poder de decisão das famílias. O Bolsa Família, com recursos insignificantes do ponto de vista do que é transferido, gerou mesmo assim relações entre as linhas de produção. programas como os Quintais Domésticos, Duas Águas e Um Quintal, Cisternas e outros destinados ao fortalecimento dos pequenos no campo e nas cidades. Isso transformou a condição de um país que estava imerso no Mapa da Fome para o que passamos a ser, um país fora do Mapa da Fome. Com a extinção do PAA, com a restrição de recursos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que também é um programa de compra de agricultores familiares, com o desestímulo aos Quintais Domésticos, à Extensão Rural, à Assistência Técnica, às práticas de Agroecologia, imaginamos que esse retrocesso é uma realidade que se avizinha.
Perceba: a fome no país é um problema essencialmente rural, embora a gente veja miséria na cidade, ela era um problema eminentemente rural e não urbano. Havia sido superado com esses programas de aquisição da agricultura familiar e com a aposentadoria rural. Seu cancelamento é uma ameaça.
O que vem sendo apresentado como alternativa a isso é o desenvolvimento do que chamam de Plantas Biofortificadas, que são enriquecidas com nutrientes como o Ferro e Zinco. O discurso é que essas plantas “vão ser melhores” que as outras e resolverão os problemas de fome oculta com base num nutriente, num mineral. Nós imaginamos que essa é uma maneira enganosa de tratar o problema, que o Mapa da Fome é superado com orientações do tipo das que vinham sendo conduzidos no Brasil e são preconizadas pelo Conselho de Segurança Nacional Alimentar e Nutricional (Consea), e que propõem uma alimentação diversificada — lembrando que isso decorre do fortalecimento do papel da mulher na família, desses Quintais Domésticos e do estabelecimento de canais curtos de comercialização, envolvendo pequenas férias, aquisições do governo federal através do PAA para vários consumidores e através do PNAE para a merenda escolar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016



"Por trás das barbaridades cometidas por Dilma e Temer há uma teoria econômica que a mídia reverencia como verdade — mas que serve apenas aos interesses da oligarquia financeira"
Por Luis Nassif, no GGN
Peça 1 –  do plano Joaquim Levy à PEC 241
Em 2015, mal assumiu o segundo governo, a presidente Dilma Rousseff anunciou o plano Joaquim Levy, um enorme aperto fiscal que, segundo ela, ajudaria a tirar o país rapidamente da crise. Em março daquele ano, baseada nos estudos de Levy, Dilma sustentava que o pior da crise já havia passado. Nem havia começado.
Em 2016, Michel Temer e o seu Ministro da Fazenda – e o editorialista da Folha – prometem que, depois da PEC 241 virá o paraíso do crescimento porque, graças aos cortes fiscais, haverá a redução dos juros e a retomada do crescimento.
Sem consumo de governo (por conta da PEC 55), sem consumo das famílias (por conta do desemprego) e sem o impulso das exportações (por conta da apreciação cambial), de onde viria o crescimento? Da fé cega e da faca amolada dos cortes. Será um desastre continuado, fazendo a economia regredir uma década.
No primeiro semestre de 2017 dirão que o pacote não deu certo porque não foi duro o suficiente. Os crentes aceitarão que a culpa foi da sua falta de fé. E toca sacrificar mais empregos, produção e riqueza para seus experimentos.
Peça 2 – a teoria que legitimou os desastres
Em ambos os casos, de Dilma-Levy e Temer-Meirelles, houve a obediência cega a teorias que surgiram nos anos 80 e 90 visando demonstrar a pouca eficácia das políticas fiscais.
Nos anos 90, duas duplas de autores – Giovani-Pagano e Alesina-Perotti – sistematizaram os estudos, querendo provar que aumento dos gastos públicos não tinha nenhum efeito sobre a demanda agregada.  Portanto, a melhor alternativa seria efetuar grandes cortes – com baixo impacto no produto – e, com isso, recuperar a confiança empresarial, despertando o espírito animal do empresário. Tornou-se o cabo de guerra do neoliberalismo.
A teoria estimava os multiplicadores (o cálculo do efeito de cada unidade gasta) para subsídios, gastos sociais, compra de ativos etc., com impacto aparecendo de 3 a 10 meses depois:
·      Benefícios Sociais: 0,8416
·      Ativos Fixos: 0,414
·      Subsídios: 1,5013
·      Gasto de pessoal: 0,6055
Eram esses estudos que lhe davam confiança para afirmar, em março de 2015, que o pior da crise já havia passado. Ou, então, nos anos anteriores, para investir tão pesadamente nos subsídios. Afinal, para cada R$ 1 de subsídios haveria um efeito de R$ 1,5013 no produto, em um prazo de 3 a 10 meses. E com cortes fiscais, haveria impacto mínimo sobre o produto.
Seria como jogar na Loto sabendo os resultados antecipadamente.
E de nada adiantavam os alertas dos que dispõem de conhecimento empírico da realidade econômica, que conseguem prever a rota de desastre de teorias que ignoram a realidade econômica. Serão considerados meros palpiteiros até que, com o desastre consumado, algum economista consolide os erros cometidos em um paper.
Peça 3 – a identificação dos erros na teoria
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) acaba de premiar o trabalho “Política Fiscal e Ciclo Econômico: uma análise baseada em multiplicadores de gastos públicos” – de autoria de Rodrigo Octávio Orais, Fernando de Faria Siqueira e Sergio Wulf Gobetti –, de onde foram tirados os dados acima, apontando um erro crucial nos trabalhos originais de Giovani-Pagano e Alesina-Perotti .
Os autores dos trabalhos iniciais montaram uma metodologia analisando a média histórica dos indicadores. E não se deram conta de que havia variações fundamentais dependendo dos ciclos econômicos: quando a economia está em expansão, o impacto dos cortes fiscais é mínimo; mas com a economia em recessão, o impacto é significativo.
Os brasileiros refizeram, então, as séries, mas separando os resultados da média (levantada de acordo com a metodologia em vigor), e dos multiplicadores com a economia em expansão e em recessão. Abaixo, se tem o raio-x dos desastres econômicos produzidos pelo uso acrítico da teoria.
Multiplicadores
Linear
Expansão
Recessão
Benefícios Sociais
0,8416
0,1536
1,5065
Ativos Fixos
1,0414
0,1623
1,6803
Subsídios
1,5013
4,7338
0,5972
Gasto de Pessoal
0,6055
0
1,3265











Dilma havia lido apenas o trabalho anterior. O multiplicador para subsídio era de 1,5013 na média, porque de 4,7338 em períodos de expansão. Na recessão, no entanto, caía para 0,5972. Foi esse o resultado que explicou a falta de impacto dos subsídios no produto em 2013 e 2014.
Com a economia em expansão, há a garantia de demanda que leva o empresário a investir. O subsídio barateia o investimento ou o custo de produção e ele consegue ampliar sua produção. Na recessão, sem garantia de mercado, o empresário aproveitará os subsídios para melhorar sua margem e fazer caixa, não para ampliar os investimentos.
O segundo macro-erro foi no pacote Levy.
Do mesmo modo, na recessão o multiplicador para benefícios sociais é de 1,5065 – expressivo. Para compra de ativos, é mais ainda: 1,6803. Dilma imaginava que para cada unidade de gasto em benefícios sociais, o retorno seria de 0,8417, inferior, portanto ,ao que foi gasto. O mesmo para investimento em ativos fixos. Baseou-se em dados errados.
Repare que, depois de afastada no cargo, nas sessões históricas do Senado, Dilma invocou várias vezes o FMI para sustentar a importância dos gastos públicos. Ou seja, só depois de apeada do poder, tomou conhecimento dos estudos confirmando o que os críticos diziam sobre o desastre do plano Levy. E Henrique Meirelles nem chegou lá ainda.
De fato, segundo os autores do estudo do STN, o FMI estimulou um debate público entre 2011 e 2012 – três a quatro anos antes do desastre do pacote Levy – sobre os rumos da política fiscal nas economias avançadas e em desenvolvimento, em cima dos motes “O que nós pensávamos que sabíamos” e “O que nós aprendemos com a crise”.
O estudo do FMI, de autoria de Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro (2010) sustenta que “a política fiscal anticíclica é um importante instrumento na conjuntura atual, dada a durabilidade esperada da recessão e o escasso espaço de ação para a política monetária”.
As conclusões são diametralmente opostas aos enunciados do período Levy-Dilma e Meirelles-Temer. Concluem que se vive um período extraordinário no qual o gasto público tem efeitos multiplicadores significativos e no qual ajustes fiscais convencionais podem ter efeitos contraproducentes para o próprio objetivo de consolidação fiscal e redução do endividamento (Romer, 2012; De Long e Summers, 2012), segundo dados que constam do trabalho premiado.
Concluem os autores:
“A  luz  desses  parâmetros,  por  exemplo,  é totalmente inapropriado o corte de investimentos  públicos  realizado  em  2015  e mantido em 2016.  Diante  disso,  constituiuse um consenso  no mainstream, principalmente  acadêmico,  de que o foco da política fiscal deveria se concentrar na sustentabilidade do endividamento público e em regras fiscais voltadas a limitar a discricionariedade dos governos, deixando preferencialmente para a política monetária o papel estabilizador da demanda agregada.
O pesado manto ideológico de que se revestiu a teoria econômica impediu qualquer questionamento a essas supostas verdades estabelecidas. A fé cega nesses estudos derrubou a economia sob Dilma, contribuiu para derrubar seu próprio governo, e continuará derrubando a economia sob Temer. Milhões de empregos perdidos, riqueza transformada em pó, dívida pública explodindo, receitas fiscais caindo, tudo com base na fé cega nesses estudos.
Agora, os grandes gurus da ortodoxia – como os economistas Afonso Celso Pastore e Armínio Fraga – já começam a preparar terreno, buscando explicações antecipadas para o fato da economia não se recuperar no próximo ano.
Peça 4 – os abusos do experimentalismo econômico
A economia não é nem ciência exata nem universal. Mais ainda que na medicina, exige o conhecimento teórico, mas associado à sensibilidade para analisar as condições do paciente.
No entanto, há uma ignorância ampla e generalizada do mainstream econômico em relação ao mundo real. Como se o conhecimento da economia real fosse uma extravagância, acientífica, uma forma menor de conhecimento.
Nesse mesmo período, o pacote Levy promoveu um superchoque tarifário e cambial, simultaneamente a problemas internos de seca impactando os alimentos.  Imediatamente explodiu a inflação. Ao choque inicial sucedem-se ondas inflacionárias em diversos setores. A lógica dizia que bastaria os meses do choque saírem da contagem da inflação anual, para os preços irem se acomodando e a inflação refluir.
No entanto, a visão do cabeça de planilha é incapaz de ir além da planilha. Não entende a economia real, os impactos dos choques nas diversas cadeias produtivas, as maneiras como ada setor reage, para poder chegar a uma conclusão sobre a melhor posologia.
Substituem esse amplo desconhecimento pela análise exclusiva dos grandes agregados.
É o caso da economista Mônica de Bolle, analisando a demora da inflação em refluir. Segundo ela, o país estaria entrando na fase da dominância fiscal, na qual os instrumentos monetários e fiscais não produzem mais efeito deflacionário. A única saída seria vender reservas cambiais para montar uma âncora cambial. Não dispensou um parágrafo sequer analisando os impactos da queda de reservas na volatilidade cambial ou ao menos estimando o que aconteceria com a inflação quando o impacto dos choques tarifário e cambial saíssem da contagem anual.
No fim, a inflação está refluindo sem nenhuma atitude heroica.
Pior é a questão das metas inflacionárias, um sistema que drenou para os rentistas a maior parte do orçamento público. Provavelmente, o excedente dos juros pagos no período daria para prover toda a malha ferroviária brasileira e grande parte do sistema de saneamento.
Peça 5 – os limites constitucionais.
Por todos esses fatores, o ideal seria que a sede de participação do Judiciário o levasse a pensar em limites constitucionais para a política econômica.
Tome-se o caso do Banco Central. Nos Estados Unidos, o FED é obrigado a seguir dois objetivos: controle da inflação e preservação do emprego. No Brasil, apenas o controle da inflação.
Como não tem em suas mãos os instrumentos fiscais, o BC joga todo o peso em juros estratosféricos, que arrebentam com a atividade econômica, sem nenhuma preocupação com os impactos sobre o produto e o emprego.
Para fazer demagogia de baixo risco, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carmen Lúcia afirmou que não é Ministra da Fazenda, para avaliar o impacto de medidas judiciais na economia.
Seria mais consistente se, junto com seus colegas, definissem limites constitucionais ao experimentalismo da política econômica e aos abusos das políticas fiscal e monetária.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Tráfico De Animais Selvagens É O Quarto Negócio Ilegal Mais Lucrativo Do Mundo

O tráfico de vida selvagem ameaça a biodiversidade do planeta e coloca em perigo de extinção espécies como os elefantes, os rinocerontes e os tigres. Foto: Divulgação Santuário de Elefantes Brasil

Estima-se que entre 20 mil e 30 mil elefantes são abatidos por ano ilegalmente. Desde 2007, o comércio ilegal de marfim mais do que duplicou. O tráfico de vida selvagem ameaça a biodiversidade do planeta e coloca em perigo de extinção espécies como os elefantes, os rinocerontes e os tigres.
O tráfico de espécies selvagens é, de acordo com a Comissão Europeia, o quarto negócio ilegal mais lucrativo do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas, de seres humanos e do comércio de armas. Estima-se que o lucro anual da atividade gire em torno de 8 bilhões a 20 bilhões de euros.
O Parlamento Europeu debate hoje (23), e votar nesta quinta (24), um relatório que aborda a forma como a UE e os Estados-membros devem intensificar os esforços para combater o tráfico de espécies selvagens. O documento foi elaborado pela eurodeputada britânica Catherine Bearder, que defende a aplicação rigorosa das regras existentes de combate ao tráfico e o reforço na cooperação entre países de origem, consumidores e de trânsito.
“As causas são, sobretudo, a procura do mercado e a falta de conhecimento do comprador. É mais fácil traficar marfim e chifre de rinoceronte do que drogas. O marfim é mais valioso do que a platina. [Os criminosos] enviam o marfim para a China e regressam da China com drogas ou armas. É por isso que é necessário que a UE trabalhe em conjunto. Precisamos que a Europol (Serviço Europeu de Polícia) lide com esse tipo de crime como um crime organizado”, afirma Catherine.
Nos últimos anos, o tráfico de vida selvagem alcançou níveis sem precedentes e a procura global por fauna e flora selvagens e produtos derivados não para de aumentar, segundo informações do Parlamento Europeu. Além disso, o baixo risco de detenção e as elevadas contrapartidas financeiras atraem cada vez mais os criminosos organizados, que utilizam os lucros para financiar milícias e grupos terroristas. Os produtos traficados são vendidos por meio de canais legais e os consumidores, muitas vezes, não estão conscientes de sua origem ilegal.
Em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia adotou um plano de ação para combater o tráfico de animais selvagens. A região é origem, trânsito e destino do tráfico de espécies ameaçadas de extinção e de espécimes vivos e mortos da fauna e da flora selvagens. A UE destinou 700 milhões de euros para a aplicação do plano, entre 2014 a 2020.
As prioridades do plano de ação são a prevenção do tráfico, a redução da oferta e da procura de produtos ilegais da fauna e da flora selvagens, a aplicação das regras vigentes e o combate à criminalidade organizada por meio da cooperação entre os serviços de polícia competentes, designadamente a Europol. Também é prioridade a cooperação entre os países de origem, de destino e de trânsito, incluindo apoio financeiro da UE para proporcionar fontes de rendimento a longo prazo às comunidades rurais que vivem em zonas de extensa fauna selvagem.
Espécies selvagens
Não são apenas os animais que sofrem com o tráfico de vida selvagem. Esse crime põe em risco também a sobrevivência de muitas espécies vegetais, como árvores de madeiras tropicais, corais e orquídeas. O tráfico ainda gera corrupção, faz vítimas humanas e priva as comunidades mais pobres de receitas que lhes são necessárias.
Dados do Parlamento Europeu mostram que enquanto em 2007, na África do Sul, foram mortos ilegalmente 13 rinocerontes, em 2015 o número subiu para 1.175 animais abatidos. A maioria dos 20 mil rinocerontes ainda existentes no mundo está naquele país. Os chifres do animal são usados na medicina asiática para tratamentos diversos, inclusive de câncer. Também são usados em joalheria e decoração.
Há um século, a estimativa é que a população de tigres no mundo chegava a 100 mil. Hoje, se resume a 3.500 animais. Os dentes, os ossos e a pele são utilizados na confecção de artigos de decoração, enquanto os ossos são usados pela medicina tradicional asiática.
Os pangolins, que também correm risco de extinção, são os mamíferos mais traficados do mundo. Esses animais são consumidos como alimento e suas escamas são usadas para fins medicinais. Estima-se que, entre 2007 e 2013, mais de 107 mil espécimes foram confiscados como contrabando.
Por Marieta Cazarré, da Agência Brasil, in EcoDebate, 23/11/2016


terça-feira, 22 de novembro de 2016

IPEA: negros têm mais chances de serem assassinados no Rio do que brancos

Mesmo desconsiderando todos os fatores econômicos e sociais, os homens negros têm 23,5% mais chances de serem assassinados do que os brancos no Rio de Janeiro. A estimativa é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que apresentou sexta-feira (18) estudo inédito feito a partir de uma análise metodológica inovadora, com base nos dados do Censo 2010 e do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Datasus.
O levantamento utilizou os dados de residentes e de pessoas que morreram na cidade do Rio de Janeiro em 2010. Foram levadas em conta também as informações de escolaridade, local de residência, idade e estado civil, na amostra de homens entre 14 e 70 anos. No artigo Democracia Racial e Homicídio de Jovens Negros na Cidade Partida, os pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Coelho concluíram que, mesmo entre pessoas de mesmo padrão social e econômico, os negros têm mais chances de serem vítimas de homicídios do que os brancos.
De acordo com Cerqueira, o objetivo da análise foi investigar as razões dessa diferença de letalidade baseada na cor da pele, já que de cada sete pessoas assassinadas no Brasil, cinco são afrodescendentes. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, enquanto os homicídios de não negros caiu 13,7% de 2004 a 2014, no mesmo período o assassinato de negros cresceu 19,8%.
“Existem duas hipóteses concorrentes. A da democracia racial, que fala que o negro morre mais porque é mais pobre, não porque é negro. E que ele é pobre porque foi largado desde a abolição da escravatura numa condição pior do que a do branco, aí você tem uma rigidez intergeracional – como ele era mais pobre lá no passado, continua mais pobre hoje, então ele morre mais”, afirmou o pesquisador.
Cerqueira disse ainda que a pesquisa nega essa hipótese, da chamada “democracia racial”, e busca explicações no racismo. “A gente considera a hipótese do racismo, que afeta a letalidade de negros por três caminhos, dois indiretos e um direto. Os indiretos têm a ver com práticas educacionais e discriminação no mercado de trabalho. Então, quando você olha a distribuição de renda do Brasil, os 10% mais pobres têm 73,1% de negros e quando olha os 10% mais ricos, há 73,6% de brancos ou amarelos. Parte dessa pobreza já é o mecanismo via racismo da questão educacional e do mercado de trabalho. Além disso, investigamos o efeito direto do racismo sobre a letalidade de negros”, acrescentou.
Para os pesquisadores, o racismo se mostra principalmente em três vertentes: políticas e práticas educacionais discriminatórias; discriminação no mercado de trabalho; e racismo institucional das polícias e da mídia na diferenciação da forma como são noticiadas mortes violentas de negros e de brancos. De acordo com Cerqueira, como é verdade que os negros são mais pobres, se a análise se resumir a separar as vítimas negras das não negras, “obviamente eles vão ser mais vitimados”.
“Então, nós fizemos um modelo econométrico incluindo o grau de escolaridade, o estado civil, a idade e o local de residência. Considerando essas outras variáveis, essa historinha do social está controlada. Então, a gente tem uma base de dados inédita e fizemos para cada pessoa do Rio de Janeiro, com as características socioeconômicas e a cor da pele, e fizemos um modelo para expurgar todas essas outras características e ficar apenas com o efeito direto da cor da pele na letalidade. E, com isso, verificamos que o negro tem 23,5% mais chances de ser morto”.
Na probabilidade de cada pessoa no Rio de Janeiro sofrer homicídio, calculada pelos pesquisadores, entre os 10% que têm mais chance de sofrer homicídio, 79% eram negros. A pesquisa concluiu também que entre a população branca, há uma proteção maior da infância e juventude, mas o mesmo não ocorre com a população negra. Enquanto um adolescente branco tem 74,6% menos chance de ser assassinado do que um adulto branco, a chance de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 23,2% maior do que a de um adulto negro.
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil, in EcoDebate, 21/11/2016