quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Ambientalistas dizem que saneamento precisa ser mais discutido com a sociedade

A necessidade de ampliar a participação da sociedade na discussão sobre tarifas de saneamento foi um dos principais pontos levantados pelos participantes da roda de conversa Tarifas de Água e Esgoto: Abrindo os Números para o Debate. O evento aconteceu dia (24), promovido pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e a Aliança pela Água.
“Você vê pessoa discutindo a conta de energia, de celular e o plano de celular. Agora, o plano de água, a conta de água, ninguém discute”, destacou o diretor-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Santos-Reis. Para o empresário, aproximar a população do tema é um “ponto crucial” para melhorar os serviços de saneamento no país. “Nos centros urbanos, a maioria das pessoas nem vê a sua conta de água. Quem paga a conta de água é o próprio condomínio”, exemplificou para mostrar que o usuário mediano nem toma conhecimento de questões como a composição das tarifas.
A forma como são estabelecidos os valores cobrados pelo fornecimento de água e coleta de esgoto foi criticada por Reis. “A conta é feita de trás para frente. Quanto que você consegue cobrar, quanto você vai gastar para manter esse sistema e quanto vai sobrar para investir”, disse ele sobre o sistema em que as outorgas definem as tarifas a partir da concorrência de oferta de menor preço. Para ele, antes de se definir os valores seria necessário apresentar, de forma transparente, os custos para operação e a previsão de investimentos.
“Ele está pagando R$ 4 ou R$ 5 por metro cúbico [de água] e está fazendo uma decomposição sem muita transparência – quanto daquilo é salário, gasto, perda e quanto está se deixando de arrecadar. E, muitas vezes, no caso brasileiro, o que sobra para investimento é muito pouco”, explicou o executivo a respeito de como estão sendo estabelecidas as tarifas atualmente.
A Odebrecht Ambiental é, segundo Reis, a única empresa privada que administra uma empresa estadual de saneamento, a Companhia de Saneamento do Tocantins, adquirida. O braço do grupo brasileiro que atua no setor foi, no entanto, vendido em outubro, e deve ser transferido em breve para o grupo canadense Brookfield.
Essa estrutura também foi alvo de críticas do presidente do Conselho Diretor do IDS, João Paulo Capobianco. “Esse tipo de modelo não permite a participação de ninguém, muito menos da sociedade”, reclamou, enfatizando a importância da participação popular nessas decisões.
Abastecimento em São Paulo
Na cidade de São Paulo existem duas questões urgentes, na opinião de Capobianco: universalizar o fornecimento de água tratada e despoluir os mananciais próximos à metrópole. Ele lembrou que, apesar de a grande maioria dos moradores da capital paulista ser abastecida com água limpa, 100 mil residentes ainda estão excluídos.
A coordenadora da Aliança pela Água, Marussia Whately, defendeu uma posição na mesma linha. “ A gente tem uma combinação de fatores que [resultam em] um modelo de gestão com uma série de problemas, como as nossas fontes de água, todas comprometidas”, disse ao falar sobre as razões da crise de abastecimento ocorrida na região metropolitana de São Paulo, de 2014 a 2015.
Os problemas que levaram ao racionamento no abastecimento de várias cidades, incluindo a capital, levaram, entretanto, na avaliação de Marussia, à conscientização de parte da sociedade. “Saímos com uma reflexão um pouco mais amadurecida do tamanho do problema”, disse, em referência, especialmente, às 60 entidades que compõem a Aliança pela Água – rede formada no auge da crise.
Por Daniel Mello, da Agência Brasil, in EcoDebate, 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Agência Nacional De Águas (ANA) Publica Informe 2016 Do Relatório Conjuntura Dos Recursos Hídricos No Brasil


Redação - 22/12/2016

A Agência Nacional de Águas (ANA) publicou nesta terça-feira (20) o Informe 2016 do relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. Esta nova edição atualiza a versão do ano anterior e dá amplo destaque aos efeitos da disponibilidade hídrica para os usos múltiplos diante da recorrência de secas históricas, em especial aquelas ocorridas no Semiárido brasileiro. A nova edição do Informe está disponível para download no site da ANA.
Atribuição conferida à ANA pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) por meio da Resolução nº 58/2006, o relatório pleno Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil é elaborado a cada quatro anos pela ANA, que também publica anualmente informes com atualizações de conteúdo – como é o caso desta versão, que traz dados e análises disponíveis até dezembro de 2015.
O Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil é fruto de um extenso trabalho feito com cerca de 50 instituições parceiras, disponibilizando a informação mais atual possível. Fazem parte dessa rede de instituições parceiras os órgãos gestores estaduais de meio ambiente e recursos hídricos, além de órgãos federais, como a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Dividido em três grandes capítulos, o Informe 2016 traz informações relevantes sobre o estado da arte dos recursos hídricos no Brasil, relacionando-as com a disponibilidade hídrica e a gestão em território nacional.
Um dos apontamentos do Informe 2016 do Conjuntura diz respeito às anomalias de precipitações ocorridas em 2015, especialmente nas Regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste, além de chuvas muito intensas na Região Sul do País. O ano 2015 foi marcado por elevadas precipitações principalmente no Sul do Brasil enquanto que várias partes do país registraram baixas precipitações, com probabilidade de ocorrência inferior a 1%, como ocorreu em Roraima, por exemplo. No Nordeste houve um aumento da intensidade da seca em relação ao registrado em 2014, com destaque para a severidade da seca observada no Maranhão e no Piauí.
De acordo com a publicação, apesar de o ano de 2015 não ter sido caracterizado como extremamente seco, ainda assim a recuperação do volume de água armazenado nos reservatórios brasileiros não foi satisfatória.
As vazões afluentes aos reservatórios das UHEs Sobradinho e Furnas, por exemplo, permaneceram próximas às vazões mínimas historicamente aferidas, considerando os registros históricos do período de 1931 a 2011. No Sudeste, o Sistema Cantareira e o Sistema Hidráulico do Rio Paraíba do Sul também não tiveram seus volumes de água armazenada recuperados em 2015. O relatório mostra também um deslocamento da seca da Região Sudeste para o norte de Minas Gerais.
Conheça a íntegra do relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2016 clicando aqui.


Informe da ANA, in EcoDebate, 22/12/2016
Um Breve Balanço Dos Desastres Climáticos De 2016 Artigo De José Eustáquio Diniz Alves. https://www.ecodebate.com.br/
[EcoDebate] As mudanças climáticas já são uma realidade e é crescente o ritmo dos prejuízos causados pelos eventos climáticos extremos e pela subida do nível do mar. O que muita gente ainda não compreendeu é que houve um ponto de inflexão na relação entre os humanos e natureza. Até bem pouco tempo atrás, as atividades antrópicas retiravam recursos da natureza para o enriquecimento da humanidade, com o lucro sendo maior do que o dano. Os bens superavam em muito os males. Porém, depois de 200 anos da Revolução Industrial e Energética e de ampla dominação, exploração e degradação da natureza, houve um ponto de mutação e os malefícios começaram a crescer mais rápido do que os benefícios.
Segundo relatório do Banco Mundial (2016), nos 30 anos entre 1976-1985 e 2005-2014, os danos causados por desastres naturais aumentaram dez vezes, custando agora mais de US$ 140 bilhões por ano (média ao longo do período de 10 anos). Enquanto isso, o número de pessoas afetadas no mundo passou de 60 milhões por ano para mais de 170 milhões.
Também o relatório da GFDRR (2016) divulgado na conferência de riscos, afirma que nas últimas duas décadas, os eventos climáticos extremos têm afetado bilhões de pessoas – matando mais de 600.000 e causando US$ 1,9 trilhão em perdas econômicas.
Mas se os desastres aumentaram nos últimos 30 anos eles tendem a ficar piores nas próximas décadas. O mesmo relatório do Banco Mundial afirma que a população que será afetada pelas mudanças climáticas alcançará a cifra de 1,3 bilhão de pessoas em sério risco e causará prejuízos de US$ 158 trilhões em ativos em risco de inundação, até 2050.
Em vários artigos publicados em 2016, o cientista James Hansen, um dos principais pesquisadores sobre aquecimento global, afirma que o aumento da temperatura em 2ºC pode ser extremamente perigoso, pois pode gerar super-furacões e elevar o nível do mar, no longo prazo, em vários metros, ameaçando as áreas costeiras em geral, especialmente as mais povoadas.
No Brasil existem inúmeros casos de praias e construções costeiras invadidas pelo mar. Diversas praias do Nordeste sofrem com o avanço do mar e a força das ondas. No Rio de Janeiro, em 2015, a ressaca e o avanço do mar provocaram a destruição da orla da Praia da Tartaruga, em Rio das Ostras, na Região dos Lagos, na orla da Praia dos Cavaleiros em Macaé e no distrito de Atafona, na foz do rio Paraíba do Sul, no município de São João da Barra. No dia 21 de abril de 2016, a ressaca e as fortes ondas derrubaram um trecho da ciclovia Tim Maia, ao lado da avenida Niemeyer (matando duas pessoas). No dia 27 de abril de 2016, uma forte ressaca atingiu várias cidades da Baixada Santista, no litoral de São Paulo, inundando ruas e construções e destruindo parte das tradicionais muretas de contenção da orla da praia de Santos. Aumentam os ciclones tropicais no Atlântico Sul e Santa Catarina é um dos estados mais afetados.
No mês de maio de 2016, uma onda de calor na Índia quebrou o recorde de temperaturas no país. No dia 19/05/16, foram registrados 51 graus Celsius na cidade de Phalodi, no estado desértico do Rajastão, batendo todos os recordes anteriores. No dia 20/05, o ciclone Roanu deixou 23 mortos e 500 mil deslocados e desabrigados em Bangladesh.
O Furacão Matthew foi um forte ciclone tropical que afetou a Jamaica, Cuba, República Dominicana, Bahamas e, especialmente, o Haiti, em setembro de 2016. Ele passou ao longo da costa leste dos Estados Unidos, incluindo os estados da Flórida, Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte. O Furacão Matthew deixou centenas de mortos no Haiti e gerou uma nova crise humanitária no país mais pobre das Américas.
No Brasil não houve nenhum desastre da dimensão do Matthew. Mas o litoral brasileiro está cada vez mais vulnerável às ressacas e à elevação do nível do mar. A cidade de Santos tem sido uma das mais afetadas. Mas houve translação do mar em Copacabana, pouco antes das Olimpíadas e no Leblon, um dia antes do segundo turno das eleições municipais. Diversas praias estão sofrendo erosão e podem desaparecer nos momentos da preia-mar.
Matéria do jornal O Globo (18/12/2016) mostra que o sumiço das praias do Rio de Janeiro está acontecendo de maneira acelerada. Na Barra da Tijuca, na altura do Pepê, o mar arrebentava a cerca de 100 metros do calçadão, ultimamente tem ameaçado até alguns quiosques. Emanuel Bruno Cruz, do Quiosque da Célia, diz: “O mar ficava longe, a pelo menos uns 80 metros. Agora, esteja bravo ou não, a água está a três metros da gente. A areia desapareceu às vésperas do verão. Minha mãe trabalha aqui há 30 anos e nunca viu nada parecido”. Parece que o estreitamento das praias é um processo inexorável.
 
Enquanto isso, o Nordeste brasileiro vive uma nova seca de proporções faraônicas. Os rios estão secando e falta água para a plantação e para o consumo doméstico. A economia do Nordeste pode ficar inviabilizada pelo avanço da seca no sertão e o avanço do mar no litoral. É uma tempestade perfeita (mas sem chuva).
O desmatamento da Amazônia que vinha caindo até 2012 voltou a subir, contrariando as propostas brasileiras apresentadas no Acordo de Paris. Em um ano, o desmatamento da Amazônia aumentou 29%, de acordo com a estimativa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No período de agosto de 2015 a julho deste ano, uma área de 7.989 km² foi removida da cobertura da floresta por corte raso – tamanho cinco vezes maior que o município de São Paulo. A marca de 7.000 km² devastados não era atingida desde 2010.
A Amazônia voltou a ser a região do mundo que mais suprime florestas, nos últimos dois anos. O desmatamento ocorre em áreas públicas não destinadas, que pertencem à União, mas não são usadas e nem foram protegidas. A cada 24 horas, 2.160 hectares de florestas são desmatados, o equivalente a 2.160 campos de futebol por dia. Pior: a área desmatada não tem sido usada para atividades produtivas. Dos quase 762.464 km² já desmatados, apenas 5,9% são usados para agricultura e 49,6% são pastos de ativos de criação de gado, segundo dados do projeto Terra Class. Segundo o Observatório do Clima, entre 2004 e 2014, o Brasil desmatou pelo menos 7 milhões de hectares à toa.
A Amazônia segue a sina de destruição já trilhada por outros biomas brasileiros. O Brasil caminha aceleradamente para a defaunação e para se tornar uma grande savana, permeada de desertos.
Os desastres que acontecem no mundo não cabem no espaço deste artigo. A eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, é o maior desastre ambiental do ano e do restante da década.
O Acordo de Paris pode estar com os dias contatos e os magnatas dos combustíveis fósseis estão comemorando a liberdade para poluir e aumentar as emissões de gases de efeito estufa.
O fato é que vivemos numa sociedade de crescentes riscos e com aumento das externalidades negativas. O sociólogo Ulrich Beck diz que os ganhos do velho conflito social pela distribuição da riqueza, que marcou a primeira modernidade, estão sendo substituídos pelo novo conflito ecológico, que, na segunda modernidade, tem gerado apenas perdas, devastação, ameaças. O economista Herman Daly afirma que o crescimento econômico está sendo substituído pelo crescimento deseconômico. Ele diz que o mundo hoje em dia “está produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”.
Tudo isto acontece porque a escala das atividades antrópicas já rompeu os limites fundamentais da sustentabilidade. O mundo ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, gerando uma sobrecarga ecológica. Já ultrapassou também as fronteiras planetárias, sendo que o aquecimento global é um fenômeno que pode gerar uma catástrofe ambiental de enorme proporção. É preciso aprender com os teóricos da Economia Ecológica quando afirmam que o crescimento econômico ilimitado é impossível diante do fluxo metabólico entrópico. Só com o decrescimento demoeconômico e a mudança no padrão de produção e consumo pode haver alguma garantia de segurança para o padrão de vida decente da população mundial e esperança de sobrevivência digna no presente e no futuro.
Referências:

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


in EcoDebate, 22/12/2016

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Parque Nacional Da Chapada Dos Veadeiros Perdeu 90% Da Sua Extensão Em Cinco Décadas

·         Notícia

  Redação  





Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Foto: © Nelson Yoneda/O ECO, in WWF

Criado com uma área de 625 mil hectares em 1961, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado em Goiás, mantém apenas 10% da sua área original, e hoje está reduzida a 65 mil hectares, informa a bióloga Mercedes Bustamante à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Diante desse cenário, atualmente há um impasse em torno da ampliação do Parque, entre aqueles que defendem sua ampliação imediata e o governo do Estado de Goiás, que sugere que a ampliação seja feita em etapas. “O governo de Goiás (que precisa dar seu aval à proposta) apresentou uma contraproposta para que isso seja feito em etapas, deixando para um segundo momento a incorporação de áreas não regularizadas. Adicionalmente, a contraproposta do governo de Goiás resultaria em um desenho fragmentado para a unidade de conservação”, adverte.
Segundo a bióloga, “interesses fundiários” estão “associados à expansão do uso para a agropecuária frente às demandas pela ampliação que permitiria garantir a integridade ecológica e funcional de ecossistemas muito particulares”. Ela lembra ainda que “a estratégia de ocupação do passado recente” de áreas do Cerrado “não se adequa a um futuro com sustentabilidade, segurança hídrica e estabilidade climática”. Mercedes Bustamante é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestra em Ciências Agrárias pela Universidade Federal de Viçosa e doutora em Geobotânica pela Universitat Trier, na Alemanha. Atualmente é professora da Universidade de Brasília – UnB e membro do corpo editorial do periódico Oecologia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os impasses que estão dificultando a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – PNCV? Que percentual da área se pretende ampliar?
Mercedes Bustamante – Os impasses referem-se ao prazo para ampliação da área do Parque. O Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio apresentaram a proposta de que isso seja feito em uma etapa única e o quanto antes, considerando que a proposta vem sendo discutida há cinco anos. O governo de Goiás (que precisa dar seu aval à proposta) apresentou uma contraproposta para que isso seja feito em etapas, deixando para um segundo momento a incorporação de áreas não regularizadas. Adicionalmente, a contraproposta do governo de Goiás resultaria em um desenho fragmentado para a unidade de conservação. É preciso ressaltar que a demarcação original do parque era (em 1961) de 625 mil hectares. De lá para cá, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros permaneceu somente com 65 mil hectares, ou seja, cerca de 10% da área original. A proposta do Ministério do Meio Ambiente – MMA ampliaria a área para 222 mil hectares.
IHU On-Line – Quais são os interesses que estão em jogo nessa negociação entre os que defendem a ampliação do parque e os que são contrários a ela?
Mercedes Bustamante – Há interesses fundiários associados à expansão do uso para a agropecuária frente às demandas pela ampliação que permitiria garantir a integridade ecológica e funcional de ecossistemas muito particulares. A aparente dicotomia entre expansão agropecuária e conservação não procede, pois a agricultura é a atividade econômica que mais se beneficia da conservação dos recursos naturais.
IHU On-Line – Qual é a atual situação ambiental da Chapada dos Veadeiros?
Mercedes Bustamante – O parque é afetado pela conversão acelerada dos habitats em seu entorno (como outros parques ao longo do bioma Cerrado). Adicionalmente, o PNCV tem grande relevância para as populações locais e tradicionais em uma interação entre a diversidade biológica e de paisagens e a diversidade sociocultural. É importante recordar que, em face das mudanças climáticas, as áreas de altitude estão entre as mais vulneráveis e devem ter sua proteção priorizada.
IHU On-Line – Por que é importante ampliar essa área do parque? Que espécies seriam preservadas com a ampliação?
A ampliação em forma de área contínua reduziria a vulnerabilidade do Parque aos impactos de mudanças ambientais
Mercedes Bustamante – A ampliação em forma de área contínua reduziria a vulnerabilidade do parque aos impactos de mudanças ambientais, garantiria o fluxo gênico e variabilidade das populações de plantas e animais. O parque possui espécies em risco de extinção ou situação de vulnerabilidade, bem como espécies endêmicas (cuja ocorrência está restrita a essa região).
IHU On-Line – Com a ampliação do parque, fala-se na preservação de recursos hídricos importantes. Quais recursos serão protegidos?
Mercedes Bustamante – O parque tem centenas de nascentes que contribuem para importantes bacias hidrográficas brasileiras. Episódios recentes de secas extremas com comprometimento do abastecimento de água para a população nos mostram que a proteção de nascentes e da capacidade de captação de água dos ecossistemas naturais é essencial para o bem-estar humano.
IHU On-Line – Quais têm sido os impactos do agronegócio sobre o Cerrado? É possível estimar qual é o percentual de cobertura vegetal que foi perdido?
Mercedes Bustamante – O Cerrado já perdeu 50% de sua cobertura nativa. Os remanescentes estão fragmentados e sob pressão de conversão nas novas frentes do desmatamento. As áreas de proteção integral cobrem um percentual muito baixo do bioma e não representam sua variabilidade espacial. É preciso reconhecer que a estratégia de ocupação do passado recente não se adequa a um futuro com sustentabilidade, segurança hídrica e estabilidade climática. www.ecodebate.com.br/



Previdência: eis as alternativas ao desmonte.

Denise Gentil, entrevistada por Glauco Faria

A economista que desmontou o mito do “déficit” previdenciário passa à ofensiva. Denise Gentil calcula: é possível manter e ampliar benefícios com mudanças tributárias, revisão das isenções e cobrança da dívida bilionária dos sonegadores.

Em tempos de “reforma” da Previdência, uma das vozes mais ativas contra o desmonte que o governo tenta promover é da professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Denise Gentil. Em sua tese de doutorado, intitulada “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 – 2005”, ela já desconstruía um dos alicerces da defesa da necessidade de se alterar a Previdência Social: o mito do déficit.
“É uma estratégia de ataque amplamente difundida pela mídia, que tem um grande interesse em divulgar que há déficit na Previdência. E por que? Porque os principais patrocinadores da grande mídia no Brasil são os bancos, que têm um grande interesse em desmontar a previdência pública não só para ampliar o espaço de suas carteiras de previdência privada, mas para ter o total controle sobre o orçamento público”, explica, observando o papel que os veículos da mídia tradicional tem na disseminação da ideia do déficit (veja aqui como esse conceito foi construído).

Para garantir o direito de acesso dos trabalhadores a um sistema previdenciário público, a professora sugere um “ajuste fiscal pelo lado das receitas”. Ou seja, formas de garantir o ingresso de recursos para o regime da Previdência Social. São medidas como a revisão de desonerações tributárias, a cobrança dos devedores e  sonegadores e iniciativas para aquecer a economia, de forma a aumentar a formalização e a arrecadação tributária como, por exemplo, uma queda mais acentuada da taxa de juros.
A entrevista que você confere a seguir foi dividida em duas partes.
Que tipo de outras alternativas teríamos para garantir um aumento de fluxo tanto para o sistema previdenciário quanto para a Seguridade Social?
Um ajuste fiscal pelo lado das receitas. Em primeiro lugar, seria necessário rever desonerações tributárias, concedidas inclusive com receitas previdenciárias. Em segundo, adotar uma maior eficiência na cobrança dos devedores, os sonegadores da Previdência. Nós temos hoje uma dívida do setor privado com a Previdência Social de 351 bilhões de reais e no ano passado apenas 0,3% dessa dívida foi recuperada pelo governo federal.
Em terceiro, o governo, em vez de aumentar o percentual da DRU, poderia reduzi-la para 5% ou até extingui-la, enquanto esse momento de depressão econômica estivesse presente. E em quarto lugar o governo poderia baixar a taxa de juros imediatamente, de forma mais profunda do que vem fazendo, já que ela inibe o crescimento econômico e, portanto, inibe a arrecadação tributária. A queda ia permitir uma economia nos gastos financeiros e ao mesmo tempo um maior fôlego para as empresas privadas que têm hoje um custo financeiro muito elevado. Em um momento de inflação em queda, a redução das taxas de juros é mais do que recomendado.
E por que a taxa de recuperação do dinheiro devido tão baixa?
Porque o governo não tem interesse em incomodar sonegadores. Pratica uma renúncia de receita para aumentar a margem de lucro das empresas, não cobra suas dívidas, e pratica as taxas de juros mais elevadas do mundo. São três exemplos de como o governo favorece o setor privado e ataca as classes populares, pedindo que elas aceitem o corte da sua renda.
Uma proposta de reforma trabalhista, aliada ao projeto de terceirização, também vai impactar negativamente a arrecadação da Previdência.
Sim, essas duas medidas provocariam uma ampla queda da arrecadação previdenciária. O governo provoca o déficit que ele alega haver com uma política fiscal contraditória. Não são os custos com aposentadorias e pensões, são as medidas que o governo toma que têm como consequência a queda de receita. A solução teria que ser políticas que aumentassem a receita, e não o contrário. O contrário significa uma ampla privatização da economia brasileira, desmontando o setor público para privilegiar o setor privado.
A senhora tem sido uma das críticas mais recorrentes da ideia do déficit, algo que perpassa sucessivos governos. Como essa ideia se consolidou de forma tão forte em parte do imaginário? É uma estratégia de ataque à Previdência Social?
É uma estratégia de ataque amplamente difundida pela mídia, que tem um grande interesse em divulgar que há déficit na Previdência. E por que? Porque os principais patrocinadores da grande mídia no Brasil são os bancos, que têm um grande interesse em desmontar a previdência pública não só para ampliar o espaço de suas carteiras de previdência privada, mas para ter o total controle sobre o orçamento público. Quanto mais se comprimem gastos sociais, mais há recursos para remunerar seus ativos financeiros.
O discurso de quebra da Previdência é muito apropriado para os interesses da elite financeira que patrocina a mídia brasileira. Essa ideia se transfere para a população de forma tão difundida que passa a ser tomada como verdade para o cidadão comum, para os burocratas do governo, para os homens de negócio. É um discurso muito fácil de ser aprendido. Parece muito coerente, embora não seja verdadeiro. Nem tudo que é coerente é verdadeiro.
Tem essa analogia que se costuma fazer com o orçamento doméstico de uma família, sempre feito de forma simplista para fixar essa imagem.
Exatamente, e o que a mídia não diz? Não diz que temos um Estado extremamente poderoso que tem mais de 370 bilhões de dólares em reservas internacionais, e quase 1 trilhão de reais na conta única do governo. Um Estado que tem essa quantidade de recursos empoçada no Banco Central não pode afirmar que tem crise fiscal. Um Estado que pratica uma renúncia de receita tributária no patamar anual de 283 bilhões de reais não pode dizer que tem uma crise fiscal.
E quem não tem empenho e nenhuma aptidão para cobrar devedores não pode se queixar de não ter dinheiro suficiente para atender às necessidades da população. Isso é muito importante. É preciso dizer o quanto de dinheiro que está empoçado no Banco Central.
E esses recursos empoçados servem a que tipo de finalidade?
Para poder colocar em prática uma política monetária altamente recessiva, de juros altos, e para controlar a taxa de câmbio. O governo pratica uma política monetária e cambial liberal-conservadora que oprime sua população, negando a ela condições dignas de vida.
A senhora mencionou um dado em uma palestra que é a questão dos swaps cambiais…
No ano passado, o governo doou 89 bilhões de reais em operações de swap cambial. São operações que preservam do risco os investidores que têm passivo em dólar. Ele doou para dar segurança a todos os agentes financeiros que desejam especular com o dólar, ou que tenham dívidas na moeda americana. Enquanto o governo diz que em 2015 existiu um déficit na Previdência de 85 bilhões de reais, faz operações de swap cambial onde perde 89 bilhões. O governo não para de gerar contradições, é uma coisa que não tem fim.
A conta é cobrada da população, e é a sobrevivência das pessoas que está sendo ameaçada. Não é que o governo esteja apenas cortando a renda, ele está atirando as pessoas à pobreza. Isso é muito mais profundo.
Outro ponto bastante batido pela mídia tradicional é a questão da previdência privada, como se fosse uma opção melhor do que a Previdência Social. A senhora pode explicar porque estamos falando de coisas absolutamente diferentes?
Não é a mesma coisa, a começar pelo risco. Uma previdência pública tem risco zero porque, por trás dela, existe um governo com enorme capacidade de arrecadação, com o Banco Central à sua disposição. O risco de alguém não receber a sua aposentadoria em uma previdência pública é zero. Mas o risco de alguém que investe em um fundo de previdência complementar privado não receber, quando se aposentar, o que planejava receber, é muito alto. Qual o tamanho desse risco? É o risco do tamanho das crises do mundo capitalista, que estão cada vez mais aparecendo em intervalos curtos de tempo e durando períodos cada vez mais longos.
A crise financeira que se iniciou nos Estados Unidos em 2007 e se espalhou pelo mundo não acabou até hoje. E quebrou vários fundos de previdência nos EUA e na Europa. O risco de vir outra crise depois dessa, com uma consequente crise bancária, é muito grande. As pessoas não têm noção do quanto significa colocar o seu dinheiro em um banco privado para ele administrar. Porque a taxa de capitalização desses fundos vai depender de muitas variáveis como, por exemplo, o patamar da taxa de juros, da taxa de câmbio, o índice de inflação, ou mesmo o que acontece na economia mundial e tem enorme reflexo na economia brasileira, provocando ataques especulativos.
Há muitas variáveis que não estão sob controle desses fundos de previdência e, por mais que falemos delas, não estamos levando em consideração a questão mais relevante, que é a gestão desses planos. Sabemos hoje, por exemplo, que alguns planos importantes na economia brasileira como Portalis, Petros, Funcef e Previ apresentam um rombo que, segundo dados, fechou em 2015 em 46 bilhões de reais. Só nesses quatro fundos. Há uma má gestão, investimentos arriscados, aparelhamento das instituições e há crise da economia, que faz com que a dificuldade de gestões desses fundos seja crescente. As pessoas não têm noção do risco que passam.
E outra coisa: é muito caro obter uma renda semelhante à que se obtém com o governo com uma contribuição muito menor. Aliás, isso não é amplamente divulgado, mas mesmo a imprensa já mostrou que, para conseguir uma renda de 5 mil reais por mês com um plano privado, o patamar de contribuição é muito mais elevado no setor privado do que seria no setor público. A contribuição é maior e o risco é maior. Aconselho as pessoas a nunca deixarem de ter uma previdência no INSS.
Existe um aspecto abordado em entrevista do secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetanorelacionado à mulher, na qual ele atribui a ela um custo maior para a Previdência pelo fato de viver mais. Pode-se dizer que a mulher, nesse contexto já mencionado pela senhora de empobrecimento causado pelas medidas propostas na PEC 287, uma das principais vítimas dessa reforma?
Tem três grandes vítimas dessa reforma: a mulher, o trabalhador rural e os professores de ensino básico e médio. O governo deseja tratar a todos como se fossem iguais, estabelecendo uma idade única, mas isso é uma falácia, já que as pessoas não têm as mesmas condições de vida e ele vai punir os grupos sociais menos favorecidos. Nesse contexto, as mulheres são muito punidas porque têm uma condição no mercado de trabalho muito desigual em relação aos homens, com uma jornada de trabalho muito maior – a semanal chega a ser 15 horas superior –, e recebem um salário 24% menor. São extremamente sacrificadas por terem que cuidar das crianças, dos idosos e dos enfermos das famílias.
Além disso, embora estejam se escolarizando cada vez mais, essa escolarização acontece muito entre as mulheres de classe média e alta. Entre as de classes mais baixas, essa escolarização é muito prejudicada em função da necessidade que têm de cuidar dos filhos. Por conta disso, costumam trabalhar em atividades de meio expediente, com alta rotatividade, baixa remuneração e péssimas condições de trabalho. Essas mulheres não têm como progredir nessas profissões e acabam condenadas à pobreza.
O governo quer tratar homens e mulheres da mesma forma na aposentadoria somente para cortar gastos, se não há nenhuma igualdade no mercado de trabalho, por que haveria na hora de se aposentar? Só quer se igualar as pessoas na hora de se aposentar, não se trata das relações sociais de produção, tão assimétricas entre esses grupos, como é o caso do trabalhador rural, que tem uma expectativa de vida muito menor que a dos trabalhadores urbanos, mas o governo quer determinar a mesma idade. É uma irracionalidade, uma violência social muito grande.
Um trabalhador do campo no Nordeste vive até os 66 anos de idade. Se o governo conseguir aprovar uma idade única de 65 anos, muitos desses trabalhadores não vão nem alcançar a aposentadoria e os que alcançarem não vão desfrutar nem por um ano. Isso nas condições de hoje, antes da depressão. Depois, com as mudanças nas regras previdenciárias, o nível de empobrecimento vai ser maior, e a expectativa de vida desses grupos vai se reduzir mais ainda.