segunda-feira, 27 de março de 2017

Pantanal brasileiro: características, biodiversidade e delimitações para...


Biólogo adverte: atiçados pelos lucros do cultivo, grandes fazendeiros já planejam drenar e devastar um dos mais ricos biomas brasileiros
http://outraspalavras.net/
IHU entrevista Pierre Girard

Apesar de o cultivo de soja não ter se expandido pelo Pantanal no mesmo ritmo em que esse tipo de cultura se desenvolveu em outros ecossistemas, nos dois biomas que contornam as áreas alagadas do Pantanal, o Cerrado e a Amazônia, crescem os cultivos de soja e o uso de fertilizantes, diz o geólogo Pierre Girard à IHU On-Line. Segundo ele, embora a plantação de soja não seja “um sucesso” nas áreas alagadas por conta da dinâmica ecológica da região, ainda assim há interesse pelo plantio dessa cultura em virtude da “terra plana” e da “rentabilidade da soja ser bastante grande”.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, Girard explica que é possível drenar as terras pantaneiras para viabilizar o cultivo de grãos. Contudo, antes de adotar essa prática, pontua, a questão “é saber por quanto tempo a soja será rentável, porque a história nos mostra que o Brasil já passou por vários ciclos, e agora estamos no ciclo da soja, mas ninguém sabe se esse será um ciclo perene, se irá se manter por 25 anos, ou se de repente, por uma razão qualquer, os chineses decidirem não mais comer carne e, com isso, não precisarão mais da nossa soja para alimentar suas galinhas e porcos”.
O pesquisador também comenta e critica o desenvolvimento e a construção das Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs no Pantanal e adverte que o “princípio de precaução, que é uma postura ética frente ao impacto sobre o meio ambiente, deve ser levado em conta. Se nada for feito, essas pequenas centrais hidrelétricas vão gerar muitos impactos”.
Pierre Girard é professor da graduação e da pós-graduação do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. É graduado em Geologia pela McGill University, no Canadá, mestre em Geologia Dinâmica, com enfoque em hidrologia, pela Université Pierre et Marie Curie, Paris VI e Écoles des Mines de Paris, e doutor em Hidrologia Isotópica pela Université du Québec à Montréal – UQAM.
Na noite de ontem, 20-03-2017, ele proferiu a conferência Pantanal brasileiro: características, biodiversidade e delimitações para a sua proteção, dentro da programação do evento Os biomas brasileiros e a teia da vida, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Veja a programação.
IHU On-Line – Ao comentar os fatores que ameaçam o Pantanal hoje, o senhor mencionou o aumento do desmatamento e o uso de pesticidas e fertilizantes. A que se deve isso? A agricultura, especialmente a soja, tem sido introduzida no Pantanal?
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Pierre Girard – Na planície pantaneira não existe ainda muita plantação de soja nem agricultura mecanizada, porque a inundação anual não facilita esse tipo de agricultura, embora esse tipo de plantação esteja se estabelecendo aos poucos na borda do Pantanal. A pecuária extensiva foi se desenvolvendo ali justamente porque é possível remover o gado quando há inundações.
Para estabelecer a agricultura no Pantanal, é preciso desenvolver um trabalho de drenagem. Algumas pessoas começaram a fazer isso na região de Cáceres (MT), em uma área relativamente grande, de nove mil hectares, de uma forma não muito bem regularizada, e com todas as dificuldades técnicas que o desenvolvimento dessa atividade implica. Então, para produzir soja na região, é preciso fazer investimentos e uma manutenção constante no sistema de drenagem.
Hoje em dia pensamos que os agricultores estão lucrando com a agricultura, mas quem está lucrando mais são as pessoas que fornecem as máquinas e os insumos agrícolas. Então, a plantação de soja ainda não é, nem foi um sucesso nessa região, apesar de o Mato Grosso ser um estado que dá apoio aos agricultores.
Mas isso não quer dizer que não existam pesticidas no Pantanal. Na verdade nós não sabemos muito sobre isso, porque não há programas de monitoramento, mas sabemos que nas regiões em volta do Pantanal tem bastante soja. No Cerrado e em toda a região do planalto que está junto ao Pantanal, tem muita soja, milho, e para manter essas plantações são utilizados muitos fertilizantes, como Roundup. Esses pesticidas já foram encontrados em sedimentos, ao serem analisados por programas de pesquisa. O que sabemos é que quanto mais perto esses pesticidas estão do Pantanal, mais provável é que eles passem a estar no próprio Pantanal. Agora, para termos mais informações, seria preciso ter programas de monitoramento, porque o Pantanal é um patrimônio nacional. Essa questão teria que ser pensada pelo poder público, porque as universidades acompanham a situação da região, mas não é missão da universidade fazer monitoramento da qualidade da água do Pantanal.
Apesar das dificuldades em desenvolver a agricultura no Pantanal, o senhor percebe que há um interesse dos agricultores em desenvolver o cultivo de grãos, por exemplo, na região? Por que há esse interesse?
Porque tem terra plana e extensa e porque a rentabilidade da soja é bastante grande, ou seja, trata-se de uma operação comercial. Então, uma vez que se faça o processo de drenagem da terra, um investimento inicial e a manutenção constante, os agricultores veem uma rentabilidade no cultivo de soja.
A questão toda é saber por quanto tempo a soja será rentável, porque a história nos mostra que o Brasil já passou por vários ciclos e agora estamos no ciclo da soja, mas ninguém sabe se esse será um ciclo perene, se irá se manter por 25 anos, ou se de repente, por uma razão qualquer, os chineses decidirem não mais comer carne e, com isso, não precisarão mais da nossa soja para alimentar suas galinhas e porcos. Essas são coisas que podem acontecer.
A expansão de soja para o Cerrado e para a Amazônia impacta o Pantanal de algum modo?
Impacta de forma indireta. No Cerrado, a plantação de soja ocorre na bacia do Alto Paraguai; ou seja, na mesma região em que nascem os afluentes dos rios que formam a planície alagada do Pantanal, há cultivo intensivo de soja e também de pasto. Nos anos 80 houve formação de pasto na região do rio Taquari, o que causou muita erosão e transporte de sedimentos e resultou no assoreamento da planície do rio.
Na Amazônia a situação é um pouco diferente, porque a chuva que ocorre tanto no Rio Grande do Sul como no Pantanal, depende da Amazônia. Então, à medida que se desmata a Amazônia para se plantar pasto ou soja, as chuvas diminuem, isso porque essas novas plantações não têm a mesma capacidade de gerar chuva que a floresta tem. Então, o Pantanal, para existir, depende do ciclo das águas, ou seja, tem que chover bem durante uma parte do ano para que o Pantanal exista. Em Cuiabá, por exemplo, às vezes ficamos 120 dias sem chuva; 90 dias é bastante comum. Se a chuva minguar durante o período das cheias, não tem inundação, e se não tem inundação, não tem mais Pantanal. É a inundação anual que faz com que o Pantanal seja como ele é. Desde a década de 70 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE já mostrou que as chuvas no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste dependem da Amazônia.
O arco do desmatamento da Amazônia vem pelo Norte do Mato Grosso, pelo Sul do Pará, e por Rondônia, que já foi conhecida como o estado da floresta, mas é hoje o estado do pasto. Então, o ritmo de desmatamento é bem grande, e, à medida que enviamos a fronteira da floresta mais para o Norte, a tendência é que tenhamos efeitos ao Sul: é como se estivéssemos colocando a floresta mais longe de nós e a consequência disso é que estamos perdendo umidade. Se você vai a uma floresta nova, de aproximadamente 30 anos, em Mato Grosso, e conversa com as pessoas, elas afirmam que há 20 anos chovia mais. É claro que ao redor das cidades, onde há mais florestas, chove mais, mas dentro da cidade, não.
Há incentivos fiscais por parte dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para que esses investimentos agrícolas aconteçam na região?
Que eu saiba não há incentivos diretos na forma de um programa, como ocorreu nos anos 70 para abrir o Cerrado, via o Proálcool, por exemplo. Apesar disso, as pessoas decidem investir na agricultura por conta da rentabilidade, porque veem isso como uma operação comercial. Como todo mundo sabe que a rentabilidade da soja é grande, é fácil conseguir dinheiro para iniciar essa atividade e na sequência estabelecer uma fazenda e começar a produção. Muitas pessoas que vivem em cidades como Lucas de Rio Verde (MT) fizeram isso: migraram quando o Cerrado já estava aberto para produção agrícola, mas ainda tinha terra, e investiram nesse tipo de atividade. Hoje em dia a situação é mais difícil, porque a terra é muito mais cara nessas regiões. Na fronteira com a Amazônia, a terra não tem tanto valor, mas há um movimento de expansão que é ligado ao capital.
Um tema que tem sido denunciado no Brasil é a compra de terras brasileiras por grupos estrangeiros. Isso tem ocorrido no Pantanal?
Isso acontece na borda do Pantanal e no Cerrado, com certeza. No Pantanal existem muitas pessoas que têm fazendas imensas, nas quais há recursos de ativos de estrangeiros. ONGs internacionais também compraram terras no Pantanal. A ideia dessas ONGs é promover a conservação, mas elas podem receber ativos de estrangeiros, de fundos internacionais etc. Eu acredito que não há muito interesse por terras para desenvolver a pecuária como uma operação comercial, porque o gado do Pantanal não é muito rentável. Como a produção agrícola também é baixa, é menos provável que se compre terra para investir nessa finalidade. Existem algumas minas no Pantanal sul, e uma parte delas deve ter relações com ativos estrangeiros, e o mesmo deve ocorrer com a terra onde estão essas minas.
É provável que se fizéssemos um levantamento fundiário, conseguiríamos saber que percentual de terras já foi adquirido por empresas estrangeiras, mas não é fácil de mapeá-las. Por exemplo, um amigo meu está fazendo um levantamento na região e só conseguiu ter acesso de quem são os donos de 75% das terras do Pantanal. Ou seja, não é fácil saber de quem é a terra. Isso se deve, em parte, porque estamos falando de um território de 140 mil quilômetros quadrados, ou seja, de uma extensão que é mais ou menos do tamanho da Inglaterra. Além disso, as ocupações dessas terras são antigas e a propriedade da terra se perde no tempo.
As terras em geral no Pantanal servem para pecuária e para o turismo: fazendas imensas que trabalham com pecuária também estão desenvolvendo o turismo. A mineração ocupa pouco espaço no Pantanal. Então, acredito que os estrangeiros estão comprando terra ou via ONGs, para preservá-las, ou para investir no turismo, porque há uma possibilidade de que esse tipo de atividade seja interessante para o Pantanal.
Outra fonte de ameaça ao Pantanal são as barragens e as Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs. Quantas existem ao longo do bioma e quais suas implicações para o sistema fluvial e o ciclo hidrológico?
Esse é um tema que estudo mais diretamente. Quando falamos de pequenas centrais hidrelétricas, todo mundo pensa que essas PCHs são de fato pequenas. No entanto, temos que entender que a dimensão de uma PCH é de até 30 mil megawatts em termos de produção de energia, e elas têm um plano de água de 13 quilômetros quadrados; ou seja, inunda-se uma terra relativamente grande para desenvolver as PCHs, o que indica que elas não são tão pequenas assim.
Como hoje quase todos os potenciais hidrológicos já foram aproveitados, especialmente nas regiões em que havia grandes quedas d’água, para viabilizar as PCHs é preciso construir um muro grande no rio para a água cair do alto, ou seja, são construídos muros de 20 metros de altura, o que nos indica que não são muros tão pequenos. Digo isso para desfazer essa ideia de que as PCHs são pequenas.
Hoje em dia existem quatro ou cinco grandes hidrelétricas no Pantanal, que não se encaixam nesse modelo de PCHs. No total existem 41 PCHs em funcionamento na bacia do Alto Paraguai, que é a região que abastece o Pantanal, ou seja, onde os rios formadores começam. Além dessas, outras 96 PCHs foram planejadas ou estão em construção.
Essa região comporta todas essas PCHs?
Se a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL designou a construção delas, deve ter algum lugar para construí-las. Ainda não se sabe se todas de fato serão construídas, porque tudo isso depende de operações comerciais, mas o fato é que todas as áreas com potenciais de gerar energia já estão demarcadas. A questão é que são muitas PCHs para pouca coisa: cada uma das 41 PCHs produz aproximadamente 1.100 megawatts de energia, e essas 96 que serão construídas vão produzir menos do que isso. Estima-se que elas produzirão 900 megawatts de energia, ou seja, cada uma vai ter uma produção de energia muito pequena.
O problema é que não conhecemos os impactos cumulativos de todas essas centrais. Uma pequena central hidrelétrica não precisa obrigatoriamente realizar um estudo de impacto ambiental, segundo determina a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso e a Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental – Imasul de Mato Grosso do Sul. Mesmo assim, se o estudo de impacto ambiental for feito, ele será local, e mesmo que fossem apontados impactos, não poderíamos sugerir que uma determinada PCH fosse instalada em outro local, porque o que determina a região em que a PCH será construída, é a área potencial para gerar energia. Nesse sentido, a ANEEL já determinou os locais em que as PCHs deverão ser construídas.
De todo modo, os impactos cumulativos não são vistos no estudo de impacto ambiental e ainda não temos nenhuma estratégia implementada para verificar esses efeitos. Apesar disso, podemos observar que cada uma dessas PCHs gera um impacto sobre a rota dos peixes, que muitas vezes são comercializados: na bacia do Paraná quase não existem mais peixes para serem pescados, o que indica que na parte do Alto Paraguai é provável que aconteça o mesmo. Cada uma dessas barragens gera um impacto sobre a hidrologia dos rios. Será que isso será suficiente para causar algum impacto no Pantanal de modo geral? Essa é uma questão a ser estudada. Mas com certeza cada uma dessas barragens capta sedimentos e nutrientes que deveriam chegar ao Pantanal, e os efeitos disso são conhecidos no resto do mundo: quando tiramos sedimentos dos rios, eles vão invadir outro lugar. Então, se o Pantanal é uma planície de deposição e começa a ser erodido, isso terá impactos. Mas a questão é que não temos estudos para prever isso por enquanto.
De todo modo, se esperarmos que todas as PCHs sejam construídas, será tarde demais para voltar atrás. Então, o princípio de precaução, que é uma postura ética frente ao impacto sobre o meio ambiente, deve ser levado em conta. Se nada for feito, essas pequenas centrais hidrelétricas vão gerar muitos impactos. Quando iniciei minha pesquisa sobre as PCHs, em 2002, existiam nove PCHs; hoje, são mais de 40. Ou seja, trata-se de uma operação lucrativa, porque o Estado facilita o financiamento desse tipo de empreendimento e garante a compra de energia.
E esse tipo de PCH gera algum benefício para a população local?
Muito pouco, só durante a construção, porque boa parte da mão de obra já vem junto com a construtora responsável pela obra. Depois que a PCH está pronta, são contratadas três pessoas que serão responsáveis por operar a central hidrelétrica. Portanto, não tem benefício econômico local, porque a ideia é ligar essas PCHs com o Sistema Interligado Nacional.
A maior parte das PCHs está em Mato Grosso, mas não é essa a região que tem maior demanda de energia elétrica, ao contrário, são as regiões sul e sudeste que precisam de mais energia. Além do mais, essas PCHs vão gerar pouca energia, portanto nos períodos de seca não vão auxiliar o Brasil, porque elas são a fio d’água, ou seja, não têm reservatório para armazenar água por longos períodos. Então nos perguntamos se vale a pena o país comprometer a integridade ecológica do Pantanal para ter esse retorno energético tão baixo. Não seria melhor o Brasil investir em energia solar? A geração de energia a partir do bagaço de cana-de-açúcar já produz mais energia do que a que será gerada por essas PCHs.
Alguns ambientalistas têm dito que há mais políticas públicas para outros ecossistemas, como a Amazônia, mas faltam políticas públicas para biomas como o Pantanal. Concorda com essa crítica?
Concordo, mas existem razões para isso, por exemplo, o espaço midiático da Amazônia é muito maior, assim como o espaço político que a Amazônia ocupa é muito maior em relação ao Pantanal. Se olharmos o tamanho da Amazônia no Brasil e na América do Sul, e o tamanho do Pantanal em território, veremos que há muita diferença: o Pantanal representa 4% do país, enquanto a Amazônia ocupa praticamente 30% do território.
Se perdermos o Pantanal, os impactos serão muito mais locais. Obviamente seria uma tragédia para quem vive lá, mas se perdermos a Amazônia, será uma tragédia para toda a América do Sul. Embora exista muito mais espaço político para a Amazônia, nada impede que se dê a devida atenção para o Pantanal. O Estado brasileiro assumiu um compromisso com o Pantanal há 30 anos, ao considerá-lo patrimônio nacional, mas até hoje não existe uma lei para a região, e o Estado quase perdeu o título de reserva da Biosfera porque não fazia nada pelo bioma. Então, nesse sentido, há um déficit de atenção.
As mudanças climáticas já estão impactando o Pantanal?
O Pantanal, nessa questão que é ligada às mudanças climáticas, tem uma função interessante: como é uma planície alagada, no Pantanal evapora bastante água, e para evaporar, a água precisa de calor, assim, de certa forma, o Pantanal funciona como um sistema de refrigeração. Mas aí você vai perguntar como o Pantanal funciona como um sistema de refrigeração, se lá faz tanto calor. O ponto é que sem água, o calor seria ainda mais intenso e a seca seria ainda mais dura. Justamente por isso, é fundamental preservar esse regime hidrológico no Pantanal com inundações extensas. O aquecimento global, nos próximos anos, vai aumentar muito as ondas de calor e a tendência é que o mesmo ocorra no Pantanal. Então, dado que o Pantanal é suscetível a mudanças climáticas, temos que preservá-lo, e essa preservação pode ser feita com o envolvimento das populações locais, que serão as mais atingidas.
Já é possível perceber essas alterações de temperatura no Pantanal por conta das mudanças climáticas?
O que percebemos mais é o aumento da estação de seca e o deslocamento do período de início da temporada de chuvas, que têm começado mais tarde. Essas mudanças se referem às alterações relacionadas à mudança climática. Além disso, os registros de 100 anos atrás mostram que em cidades como Campo Grande e Cuiabá houve um aumento de um grau na temperatura. Se os nossos amigos do INPE estão certos, a temperatura continuará aumentando [risos].
Assista na íntegra a conferência proferida pelo professor Pierre Girard:
Biólogo adverte: atiçados pelos lucros do cultivo, grandes fazendeiros já planejam drenar e devastar um dos mais ricos biomas brasileiros
IHU entrevista Pierre Girard
Apesar de o cultivo de soja não ter se expandido pelo Pantanal no mesmo ritmo em que esse tipo de cultura se desenvolveu em outros ecossistemas, nos dois biomas que contornam as áreas alagadas do Pantanal, o Cerrado e a Amazônia, crescem os cultivos de soja e o uso de fertilizantes, diz o geólogo Pierre Girard à IHU On-Line. Segundo ele, embora a plantação de soja não seja “um sucesso” nas áreas alagadas por conta da dinâmica ecológica da região, ainda assim há interesse pelo plantio dessa cultura em virtude da “terra plana” e da “rentabilidade da soja ser bastante grande”.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, Girard explica que é possível drenar as terras pantaneiras para viabilizar o cultivo de grãos. Contudo, antes de adotar essa prática, pontua, a questão “é saber por quanto tempo a soja será rentável, porque a história nos mostra que o Brasil já passou por vários ciclos, e agora estamos no ciclo da soja, mas ninguém sabe se esse será um ciclo perene, se irá se manter por 25 anos, ou se de repente, por uma razão qualquer, os chineses decidirem não mais comer carne e, com isso, não precisarão mais da nossa soja para alimentar suas galinhas e porcos”.
O pesquisador também comenta e critica o desenvolvimento e a construção das Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs no Pantanal e adverte que o “princípio de precaução, que é uma postura ética frente ao impacto sobre o meio ambiente, deve ser levado em conta. Se nada for feito, essas pequenas centrais hidrelétricas vão gerar muitos impactos”.
Pierre Girard é professor da graduação e da pós-graduação do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. É graduado em Geologia pela McGill University, no Canadá, mestre em Geologia Dinâmica, com enfoque em hidrologia, pela Université Pierre et Marie Curie, Paris VI e Écoles des Mines de Paris, e doutor em Hidrologia Isotópica pela Université du Québec à Montréal – UQAM.
Na noite de ontem, 20-03-2017, ele proferiu a conferência Pantanal brasileiro: características, biodiversidade e delimitações para a sua proteção, dentro da programação do evento Os biomas brasileiros e a teia da vida, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Veja a programação.
IHU On-Line – Ao comentar os fatores que ameaçam o Pantanal hoje, o senhor mencionou o aumento do desmatamento e o uso de pesticidas e fertilizantes. A que se deve isso? A agricultura, especialmente a soja, tem sido introduzida no Pantanal
Pierre Girard – Na planície pantaneira não existe ainda muita plantação de soja nem agricultura mecanizada, porque a inundação anual não facilita esse tipo de agricultura, embora esse tipo de plantação esteja se estabelecendo aos poucos na borda do Pantanal. A pecuária extensiva foi se desenvolvendo ali justamente porque é possível remover o gado quando há inundações.
Para estabelecer a agricultura no Pantanal, é preciso desenvolver um trabalho de drenagem. Algumas pessoas começaram a fazer isso na região de Cáceres (MT), em uma área relativamente grande, de nove mil hectares, de uma forma não muito bem regularizada, e com todas as dificuldades técnicas que o desenvolvimento dessa atividade implica. Então, para produzir soja na região, é preciso fazer investimentos e uma manutenção constante no sistema de drenagem.
Hoje em dia pensamos que os agricultores estão lucrando com a agricultura, mas quem está lucrando mais são as pessoas que fornecem as máquinas e os insumos agrícolas. Então, a plantação de soja ainda não é, nem foi um sucesso nessa região, apesar de o Mato Grosso ser um estado que dá apoio aos agricultores.
Mas isso não quer dizer que não existam pesticidas no Pantanal. Na verdade nós não sabemos muito sobre isso, porque não há programas de monitoramento, mas sabemos que nas regiões em volta do Pantanal tem bastante soja. No Cerrado e em toda a região do planalto que está junto ao Pantanal, tem muita soja, milho, e para manter essas plantações são utilizados muitos fertilizantes, como Roundup. Esses pesticidas já foram encontrados em sedimentos, ao serem analisados por programas de pesquisa. O que sabemos é que quanto mais perto esses pesticidas estão do Pantanal, mais provável é que eles passem a estar no próprio Pantanal. Agora, para termos mais informações, seria preciso ter programas de monitoramento, porque o Pantanal é um patrimônio nacional. Essa questão teria que ser pensada pelo poder público, porque as universidades acompanham a situação da região, mas não é missão da universidade fazer monitoramento da qualidade da água do Pantanal.
Apesar das dificuldades em desenvolver a agricultura no Pantanal, o senhor percebe que há um interesse dos agricultores em desenvolver o cultivo de grãos, por exemplo, na região? Por que há esse interesse?
Porque tem terra plana e extensa e porque a rentabilidade da soja é bastante grande, ou seja, trata-se de uma operação comercial. Então, uma vez que se faça o processo de drenagem da terra, um investimento inicial e a manutenção constante, os agricultores veem uma rentabilidade no cultivo de soja.
A questão toda é saber por quanto tempo a soja será rentável, porque a história nos mostra que o Brasil já passou por vários ciclos e agora estamos no ciclo da soja, mas ninguém sabe se esse será um ciclo perene, se irá se manter por 25 anos, ou se de repente, por uma razão qualquer, os chineses decidirem não mais comer carne e, com isso, não precisarão mais da nossa soja para alimentar suas galinhas e porcos. Essas são coisas que podem acontecer.
A expansão de soja para o Cerrado e para a Amazônia impacta o Pantanal de algum modo?
Impacta de forma indireta. No Cerrado, a plantação de soja ocorre na bacia do Alto Paraguai; ou seja, na mesma região em que nascem os afluentes dos rios que formam a planície alagada do Pantanal, há cultivo intensivo de soja e também de pasto. Nos anos 80 houve formação de pasto na região do rio Taquari, o que causou muita erosão e transporte de sedimentos e resultou no assoreamento da planície do rio.
Na Amazônia a situação é um pouco diferente, porque a chuva que ocorre tanto no Rio Grande do Sul como no Pantanal, depende da Amazônia. Então, à medida que se desmata a Amazônia para se plantar pasto ou soja, as chuvas diminuem, isso porque essas novas plantações não têm a mesma capacidade de gerar chuva que a floresta tem. Então, o Pantanal, para existir, depende do ciclo das águas, ou seja, tem que chover bem durante uma parte do ano para que o Pantanal exista. Em Cuiabá, por exemplo, às vezes ficamos 120 dias sem chuva; 90 dias é bastante comum. Se a chuva minguar durante o período das cheias, não tem inundação, e se não tem inundação, não tem mais Pantanal. É a inundação anual que faz com que o Pantanal seja como ele é. Desde a década de 70 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE já mostrou que as chuvas no Sul, no Centro-Oeste e no Sudeste dependem da Amazônia.
O arco do desmatamento da Amazônia vem pelo Norte do Mato Grosso, pelo Sul do Pará, e por Rondônia, que já foi conhecida como o estado da floresta, mas é hoje o estado do pasto. Então, o ritmo de desmatamento é bem grande, e, à medida que enviamos a fronteira da floresta mais para o Norte, a tendência é que tenhamos efeitos ao Sul: é como se estivéssemos colocando a floresta mais longe de nós e a consequência disso é que estamos perdendo umidade. Se você vai a uma floresta nova, de aproximadamente 30 anos, em Mato Grosso, e conversa com as pessoas, elas afirmam que há 20 anos chovia mais. É claro que ao redor das cidades, onde há mais florestas, chove mais, mas dentro da cidade, não.
Há incentivos fiscais por parte dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para que esses investimentos agrícolas aconteçam na região?
Que eu saiba não há incentivos diretos na forma de um programa, como ocorreu nos anos 70 para abrir o Cerrado, via o Proálcool, por exemplo. Apesar disso, as pessoas decidem investir na agricultura por conta da rentabilidade, porque veem isso como uma operação comercial. Como todo mundo sabe que a rentabilidade da soja é grande, é fácil conseguir dinheiro para iniciar essa atividade e na sequência estabelecer uma fazenda e começar a produção. Muitas pessoas que vivem em cidades como Lucas de Rio Verde (MT) fizeram isso: migraram quando o Cerrado já estava aberto para produção agrícola, mas ainda tinha terra, e investiram nesse tipo de atividade. Hoje em dia a situação é mais difícil, porque a terra é muito mais cara nessas regiões. Na fronteira com a Amazônia, a terra não tem tanto valor, mas há um movimento de expansão que é ligado ao capital.
Um tema que tem sido denunciado no Brasil é a compra de terras brasileiras por grupos estrangeiros. Isso tem ocorrido no Pantanal?
Isso acontece na borda do Pantanal e no Cerrado, com certeza. No Pantanal existem muitas pessoas que têm fazendas imensas, nas quais há recursos de ativos de estrangeiros. ONGs internacionais também compraram terras no Pantanal. A ideia dessas ONGs é promover a conservação, mas elas podem receber ativos de estrangeiros, de fundos internacionais etc. Eu acredito que não há muito interesse por terras para desenvolver a pecuária como uma operação comercial, porque o gado do Pantanal não é muito rentável. Como a produção agrícola também é baixa, é menos provável que se compre terra para investir nessa finalidade. Existem algumas minas no Pantanal sul, e uma parte delas deve ter relações com ativos estrangeiros, e o mesmo deve ocorrer com a terra onde estão essas minas.
É provável que se fizéssemos um levantamento fundiário, conseguiríamos saber que percentual de terras já foi adquirido por empresas estrangeiras, mas não é fácil de mapeá-las. Por exemplo, um amigo meu está fazendo um levantamento na região e só conseguiu ter acesso de quem são os donos de 75% das terras do Pantanal. Ou seja, não é fácil saber de quem é a terra. Isso se deve, em parte, porque estamos falando de um território de 140 mil quilômetros quadrados, ou seja, de uma extensão que é mais ou menos do tamanho da Inglaterra. Além disso, as ocupações dessas terras são antigas e a propriedade da terra se perde no tempo.
As terras em geral no Pantanal servem para pecuária e para o turismo: fazendas imensas que trabalham com pecuária também estão desenvolvendo o turismo. A mineração ocupa pouco espaço no Pantanal. Então, acredito que os estrangeiros estão comprando terra ou via ONGs, para preservá-las, ou para investir no turismo, porque há uma possibilidade de que esse tipo de atividade seja interessante para o Pantanal.
Outra fonte de ameaça ao Pantanal são as barragens e as Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs. Quantas existem ao longo do bioma e quais suas implicações para o sistema fluvial e o ciclo hidrológico?
Esse é um tema que estudo mais diretamente. Quando falamos de pequenas centrais hidrelétricas, todo mundo pensa que essas PCHs são de fato pequenas. No entanto, temos que entender que a dimensão de uma PCH é de até 30 mil megawatts em termos de produção de energia, e elas têm um plano de água de 13 quilômetros quadrados; ou seja, inunda-se uma terra relativamente grande para desenvolver as PCHs, o que indica que elas não são tão pequenas assim.
Como hoje quase todos os potenciais hidrológicos já foram aproveitados, especialmente nas regiões em que havia grandes quedas d’água, para viabilizar as PCHs é preciso construir um muro grande no rio para a água cair do alto, ou seja, são construídos muros de 20 metros de altura, o que nos indica que não são muros tão pequenos. Digo isso para desfazer essa ideia de que as PCHs são pequenas.
Hoje em dia existem quatro ou cinco grandes hidrelétricas no Pantanal, que não se encaixam nesse modelo de PCHs. No total existem 41 PCHs em funcionamento na bacia do Alto Paraguai, que é a região que abastece o Pantanal, ou seja, onde os rios formadores começam. Além dessas, outras 96 PCHs foram planejadas ou estão em construção.
Essa região comporta todas essas PCHs?
Se a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL designou a construção delas, deve ter algum lugar para construí-las. Ainda não se sabe se todas de fato serão construídas, porque tudo isso depende de operações comerciais, mas o fato é que todas as áreas com potenciais de gerar energia já estão demarcadas. A questão é que são muitas PCHs para pouca coisa: cada uma das 41 PCHs produz aproximadamente 1.100 megawatts de energia, e essas 96 que serão construídas vão produzir menos do que isso. Estima-se que elas produzirão 900 megawatts de energia, ou seja, cada uma vai ter uma produção de energia muito pequena.
O problema é que não conhecemos os impactos cumulativos de todas essas centrais. Uma pequena central hidrelétrica não precisa obrigatoriamente realizar um estudo de impacto ambiental, segundo determina a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso e a Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental – Imasul de Mato Grosso do Sul. Mesmo assim, se o estudo de impacto ambiental for feito, ele será local, e mesmo que fossem apontados impactos, não poderíamos sugerir que uma determinada PCH fosse instalada em outro local, porque o que determina a região em que a PCH será construída, é a área potencial para gerar energia. Nesse sentido, a ANEEL já determinou os locais em que as PCHs deverão ser construídas.
De todo modo, os impactos cumulativos não são vistos no estudo de impacto ambiental e ainda não temos nenhuma estratégia implementada para verificar esses efeitos. Apesar disso, podemos observar que cada uma dessas PCHs gera um impacto sobre a rota dos peixes, que muitas vezes são comercializados: na bacia do Paraná quase não existem mais peixes para serem pescados, o que indica que na parte do Alto Paraguai é provável que aconteça o mesmo. Cada uma dessas barragens gera um impacto sobre a hidrologia dos rios. Será que isso será suficiente para causar algum impacto no Pantanal de modo geral? Essa é uma questão a ser estudada. Mas com certeza cada uma dessas barragens capta sedimentos e nutrientes que deveriam chegar ao Pantanal, e os efeitos disso são conhecidos no resto do mundo: quando tiramos sedimentos dos rios, eles vão invadir outro lugar. Então, se o Pantanal é uma planície de deposição e começa a ser erodido, isso terá impactos. Mas a questão é que não temos estudos para prever isso por enquanto.
De todo modo, se esperarmos que todas as PCHs sejam construídas, será tarde demais para voltar atrás. Então, o princípio de precaução, que é uma postura ética frente ao impacto sobre o meio ambiente, deve ser levado em conta. Se nada for feito, essas pequenas centrais hidrelétricas vão gerar muitos impactos. Quando iniciei minha pesquisa sobre as PCHs, em 2002, existiam nove PCHs; hoje, são mais de 40. Ou seja, trata-se de uma operação lucrativa, porque o Estado facilita o financiamento desse tipo de empreendimento e garante a compra de energia.
E esse tipo de PCH gera algum benefício para a população local?
Muito pouco, só durante a construção, porque boa parte da mão de obra já vem junto com a construtora responsável pela obra. Depois que a PCH está pronta, são contratadas três pessoas que serão responsáveis por operar a central hidrelétrica. Portanto, não tem benefício econômico local, porque a ideia é ligar essas PCHs com o Sistema Interligado Nacional.
A maior parte das PCHs está em Mato Grosso, mas não é essa a região que tem maior demanda de energia elétrica, ao contrário, são as regiões sul e sudeste que precisam de mais energia. Além do mais, essas PCHs vão gerar pouca energia, portanto nos períodos de seca não vão auxiliar o Brasil, porque elas são a fio d’água, ou seja, não têm reservatório para armazenar água por longos períodos. Então nos perguntamos se vale a pena o país comprometer a integridade ecológica do Pantanal para ter esse retorno energético tão baixo. Não seria melhor o Brasil investir em energia solar? A geração de energia a partir do bagaço de cana-de-açúcar já produz mais energia do que a que será gerada por essas PCHs.
Alguns ambientalistas têm dito que há mais políticas públicas para outros ecossistemas, como a Amazônia, mas faltam políticas públicas para biomas como o Pantanal. Concorda com essa crítica?
Concordo, mas existem razões para isso, por exemplo, o espaço midiático da Amazônia é muito maior, assim como o espaço político que a Amazônia ocupa é muito maior em relação ao Pantanal. Se olharmos o tamanho da Amazônia no Brasil e na América do Sul, e o tamanho do Pantanal em território, veremos que há muita diferença: o Pantanal representa 4% do país, enquanto a Amazônia ocupa praticamente 30% do território.
Se perdermos o Pantanal, os impactos serão muito mais locais. Obviamente seria uma tragédia para quem vive lá, mas se perdermos a Amazônia, será uma tragédia para toda a América do Sul. Embora exista muito mais espaço político para a Amazônia, nada impede que se dê a devida atenção para o Pantanal. O Estado brasileiro assumiu um compromisso com o Pantanal há 30 anos, ao considerá-lo patrimônio nacional, mas até hoje não existe uma lei para a região, e o Estado quase perdeu o título de reserva da Biosfera porque não fazia nada pelo bioma. Então, nesse sentido, há um déficit de atenção.
As mudanças climáticas já estão impactando o Pantanal?
O Pantanal, nessa questão que é ligada às mudanças climáticas, tem uma função interessante: como é uma planície alagada, no Pantanal evapora bastante água, e para evaporar, a água precisa de calor, assim, de certa forma, o Pantanal funciona como um sistema de refrigeração. Mas aí você vai perguntar como o Pantanal funciona como um sistema de refrigeração, se lá faz tanto calor. O ponto é que sem água, o calor seria ainda mais intenso e a seca seria ainda mais dura. Justamente por isso, é fundamental preservar esse regime hidrológico no Pantanal com inundações extensas. O aquecimento global, nos próximos anos, vai aumentar muito as ondas de calor e a tendência é que o mesmo ocorra no Pantanal. Então, dado que o Pantanal é suscetível a mudanças climáticas, temos que preservá-lo, e essa preservação pode ser feita com o envolvimento das populações locais, que serão as mais atingidas.
Já é possível perceber essas alterações de temperatura no Pantanal por conta das mudanças climáticas?
O que percebemos mais é o aumento da estação de seca e o deslocamento do período de início da temporada de chuvas, que têm começado mais tarde. Essas mudanças se referem às alterações relacionadas à mudança climática. Além disso, os registros de 100 anos atrás mostram que em cidades como Campo Grande e Cuiabá houve um aumento de um grau na temperatura. Se os nossos amigos do INPE estão certos, a temperatura continuará aumentando [risos].

Assista na íntegra a conferência proferida pelo professor Pierre Girard:

quinta-feira, 23 de março de 2017

Telhados Brancos e Telhados Verdes.
 Artigo de Roberto Naime

 [EcoDebate] Um dos grandes desafios da perspectiva de inclusão integral dos parâmetros de sustentabilidade na construção civil envolve a discussão sobre o uso de coberturas. Recobrimentos vegetais, que até já são obrigatórios em alguns raros sítios, e telhados brancos, que por sua refletividade da luz solar podem contribuir para diminuição da absorção do calor do sol, maior conforto térmico e melhores condições de sustentabilidade pela redução de consumo de energia para movimentar aparelhos de ar-condicionado.
Investigações comprovam que pintar telhados de coloração branca, segundo site da organização “Green Building Council” reduzem de 40% a 70% a temperatura registrada nos ambientes, atenuando em índices superiores a 90%, a incidência de raios “ultra-violetas”, refletindo e mitigando em mais de 80% o total de incidência de raios solares. A economia de energia elétrica em utilização de ar-condicionado e outros equipamentos, é estimada em cerca de 30% do volume total da edificação beneficiada por esta ação.
Site denominado “SustentArqui” registra que a campanha para combater o aquecimento global e incentivar a adoção de coberturas e telhados brancos, foi lançada em 2009, a partir da campanha denominada “um grau a menos” (“one degree less”) da organização não governamental “Green Building Council”, entidade sem fins lucrativos, engajada na disseminação de técnicas que auxiliem a implantação de sustentabilidade na construção civil. Informações do site ainda registram que o estado americano da Califórnia, normatizou em diploma legal, a obrigatoriedade de que prédios comerciais tenham coberturas pintadas de branco.
Os argumentos sobre as virtudes da implantação da medida são a diminuição das “ilhas” de calor, denominação atribuída ao fenômeno climático urbano, em cidades com densidade construtiva muito elevada, onde as temperaturas aumentam de 1 a 6 graus em comparação com áreas urbanas mais rarefeitas, ou áreas rurais.
Outro fator enumerado é a redução da emissão de gás carbônico. CO2 é a representação química deste gás, também conhecido por dióxido de carbono ou gás carbônico e que é um dos principais causadores do chamado “efeito estufa”, que resulta nos processos de aquecimento global. Este gás é grandemente gerado através da queima de combustíveis fósseis, muito utilizados na geração de energia, atividades de transporte e de calefação doméstica ou corporativa.
Mas a principal evidenciação ainda é a redução do consumo de energia gerada pela manutenção de temperaturas ambientais mais baixas. Dados indicam que as reduções energéticas para resfriamento dos ambientes se situam entre 20% a 70%. São utilizados em menor escala aparelhos de ar condicionado ou ventiladores. A coloração branca reflete a radiação solar, reduzindo a absorção de calor, e ao contrário, quanto mais escura for a tinta, mais a superfície absorve os raios solares e mais quente o ambiente fica.
O uso de telhados e coberturas brancas é fácil, e logo após a aplicação pode sentir o efeito da diferença de temperatura. As tintas específicas impermeabilizam e fazem também a proteção dos telhados, evitando assim a proliferação de fungos. Normalmente a manutenção é aplicada a cada período de 5 anos.
A alternativa aos telhados brancos e que precede há bastante tempo estas ações, são os telhados verdes, ou seja, a implantação de coberturas com gramíneas ou jardins. A grande adversidade que causam é a necessidade de muito boa impermeabilização das coberturas onde deverão ser implantadas as coberturas verdes.
Mas também existem grandes vantagens registradas. Os jardins suspensos são muito antigos na história da humanidade, desde os jardins suspensos da Babilônia. Já foram também muito utilizados na arquitetura moderna. Segundo o arquiteto, paisagista e urbanista Burle Marx, o uso de coberturas verdes registra muitas vantagens.
Telhados verdes diminuem a poluição atmosférica e melhoram a qualidade do ar nos agrupamentos urbanos. A vegetação absorve as substâncias tóxicas e libera oxigênio na atmosfera. Os processos de fotossíntese respondem por boa parte disto. A absorção da energia da luz solar pelas plantas, também impede a formação de ilhas de calor. Desta forma, inclusive o isolamento térmico de todo o conjunto da edificação é favorecido, protegendo contra altas temperaturas no verão e ajudando a manter a temperatura interna nos períodos de inverno.
Todo o conjunto de isolamento acústico da edificação é incrementado. Vegetação absorve e isola ruídos em geral. Ocorre maior retenção de águas decorrentes de precipitações pluviométricas. Vegetação auxilia não drenagem das águas da chuva, reduzindo a demanda por escoamento em sistemas próprios ou associados a coleta de esgotos e ainda favorecendo a filtragem física das águas. Desta forma contribui para os controles de enchentes em áreas urbanas. Na medida em que, ocorre a retenção de parte da água da chuva, diminui as demandas de esgotamento urbano.
Telhados verdes auxiliam no controle global das temperaturas, tanto internas quanto externas. Assim, como os telhados brancos auxiliam na redução da demanda energética. Por último, não pode ser negligenciada a atração de pássaros, borboletas e outros entes representantes da biodiversidade. Por último, telhados verdes embelezam a paisagem das cidades.
Telhados verdes parecem ser uma solução mais completa, para o conjunto de demandas verificadas por construções sustentáveis. Mas não se pode negligenciar telhados brancos que atuam na principal demanda ambiental que se identifica, ao reduzirem as necessidades energéticas. E apresentam menores e mais simples necessidades de manutenção.
 Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/03/2017


quarta-feira, 15 de março de 2017

A inevitável Reforma da Previdência!

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

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[EcoDebate] A reforma da previdência é absolutamente inevitável. Ela vai acontecer, de uma forma ou de outra, pelo simples fato de que não há como manter regras fixas, quando a economia e a demografia estão mudando de forma acelerada. Tudo na vida e na sociedade é impermanente. Não existe mágica capaz de eliminar a matemática. Não há como fazer mágica para apagar a diferença entre receitas e despesas. Resta saber: qual o tamanho do problema e qual a reforma que se quer para atender as necessidades das pessoas e do país.
A previdência brasileira tem como base o sistema de “repartição simples”, onde a cobrança de contribuições das pessoas que estão engajadas nas atividades econômicas financia as aposentadorias, pensões e assistência social das pessoas inativas (beneficiárias do sistema).
A repartição simples envolve uma tensão permanente entre solidariedade e conflito intergeracional. Evidentemente, as gerações mais novas só financiam as gerações mais velhas se houver perspectiva de receber de volta, no futuro, no mínimo, o montante equivalente aos benefícios recebidos na atualidade. A solidariedade intergeracional é o cimento que liga o passado, o presente e o futuro.
Mas paralelamente, existe um conflito latente, pois as gerações mais novas querem pagar o mínimo possível e as gerações mais velhas querem receber o máximo viável. Em geral, o conflito é reduzido quando a economia e a produtividade crescem, mas é acirrado quando há recessão ou estagnação do Produto Interno Bruto (PIB). Não é fácil achar o ponto de equilíbrio.
A previdência brasileira está desequilibrada e possui um enorme déficit atual (presente) e atuarial (futuro). Isto significa que algo precisa ser feito para tornar o sistema sustentável e evitar a inadimplência ou até mesmo a falência. Mas não existe consenso nem sobre o diagnóstico do problema e nem sobre as prescrições.
A Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, realizou um seminário sobre a Reforma da Previdência no dia 20 de fevereiro de 2017. São divergentes as opiniões apresentadas, como se pode ver nas apresentações que estão disponíveis no link apresentado nas referências no final desse artigo.
O déficit da previdência pode ser visto na tabela abaixo, apresentada no estudo de Barbosa Filho e Ottoni (20/02/2017). Nota-se que o déficit estava em torno de 40 bilhões de reais até 2012, o que representava 0,8% do PIB. Porém, a partir de 2013 o déficit cresceu rapidamente e “explodiu” com a grande crise econômica de 2014 a 2016, quando houve redução da renda per capita brasileira e redução da taxa de ocupação no mercado de trabalho. Em percentagem do PIB o déficit da previdência estava em 2,1% do PIB, o que é muito alto para o estágio atual da estrutura etária da população brasileira. O Brasil gasta muito mais com a previdência (em proporção do PIB) do que os demais países, inclusive aqueles com o índice de envelhecimento muito maior do que o brasileiro.


Se o déficit da previdência já é elevado atualmente, ele tende a ficar muito maior no futuro devido às mudanças da estrutura etária e o fim do bônus demográfico. A população em idade ativa vai diminuir nas próximas décadas e a população idosa vai aumentar rapidamente. Ou seja, a percentagem de contribuintes vai cair e a percentagem de beneficiários vai aumentar. No ano 2000 havia 7,5 pessoas em idade ativa para cada idoso e esta relação deve cair para 1,6 pessoas em 2060, conforme as últimas projeções do IBGE.

Diante do quadro crítico, o governo lançou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287. Um ponto central na proposta de Reforma é o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria, pois a média das aposentadorias no Brasil é muito precoce comparada com outros países. Aumentando a idade média de aposentadoria abrandaria o problema pelos dois lados: as pessoas passariam mais tempo contribuindo e menos tempo como contribuintes. Isto aliviaria o déficit atual e reduziria as projeções de desequilíbrios futuros. Ao contrário do que se diz, os maiores perdedores não serão os trabalhadores de baixa renda, mas as pessoas que recebem elevados salários e que aposentam por tempo de contribuição e vivem muito mais do que a sobrevida média.
Os críticos dizem que a esperança de vida é baixa no Brasil e que muita gente morreria antes de aposentar ou então ficar pouco tempo na aposentadoria, se a idade mínima for 65 anos. Mas há muito desentendimento a este respeito, pois não se pode confundir a esperança de vida ao nascer com a sobrevida aos 65 anos. Segundo o IBGE, responsável pelo cálculo oficial da Tábua Completa de Mortalidade, as mulheres tinham uma esperança de vida ao nascer, em 1940, de 48,3 anos e os homens de 42,9 anos. Esta baixa esperança de vida ao nascer era devido à alta mortalidade infantil. Para as pessoas que sobreviviam até os 65 anos a sobrevida era de 9,3 anos para os homens e 11,5 anos para as mulheres. Portanto, do ponto de vista da previdência, o importante não é a esperança de vida ao nascer e sim a sobrevida na época da aposentadoria (seja 55, 60 ou 65 anos).
Ainda segundo o IBGE, as mulheres tinham uma esperança de vida ao nascer, em 2015, de 79,1 anos e uma sobrevida aos 65 anos de 19,8 anos. No mesmo ano, a esperança de vida ao nascer para os homens era de 71,9 anos e a sobrevida aos 65 anos era de 16,7 anos. Assim, um homem que aposentar aos 65 anos terá uma probabilidade média de ficar 16,7 anos aposentado e não 6,9 anos que seria a diferença entre a esperança de vida ao nascer e a idade mínima (71,9 – 65 anos). Assim, o que vale é o tempo médio de vida que, em qualquer recorte social, é sempre maior do que a esperança de vida ao nascer.

GRAF03  

Outro ponto polêmico da Reforma é a redução ou eliminação da diferença entre aposentadoria de homens e mulheres. Esta proposta propõe a igualdade de gênero na idade de aposentadoria, mesmo considerando que as mulheres têm um tempo médio de vida bem maior do que os homens, conforme pode ser visto na tabela acima. Porém, muitas pessoas argumentam que a menor idade à aposentadoria é uma política afirmativa de gênero para compensar os menores salários e a dupla jornada de trabalho feminina. A diferença de tempo para se aposentar é defendida com o argumento de que a mulher trabalha mais em casa no cuidado da casa, dos filhos, do marido e de outros parentes (especialmente dos idosos).
Porém, o sobre trabalho feminino com as tarefas de reprodução deve ser enfrentado com a igualdade de gênero nesta área. Ou seja, os homens precisam dividir as tarefas domésticas com as mulheres (como a Suécia tenta fazer) e não premiar esta desigualdade com regras favoráveis na previdência. Quando as mulheres são recompensadas pelo sistema previdenciário, implicitamente, o Estado convalida as desigualdades de gênero nas tarefas de reprodução. As políticas públicas devem defender a igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos, incluindo as condições de trabalho produtivo extradoméstico, salários iguais para tarefas iguais e repartição igualitária do tempo das tarefas no mundo da reprodução.
Para além dos aspectos acima, há quem diga que a previdência social brasileira não tem déficit e que a Reforma em curso não passa de um golpe contra os direitos dos trabalhadores para favorecer o setor financeiro. O fundamento desta crítica se baseia na proposta constitucional de ampliar as fontes de receita (impostos) para financiar a seguridade social brasileira. Além disto, houve muitos desvios (corrupção) ao longo das décadas e há muitos sonegadores que devem volumes vultosos para a previdência. Segundo o argumento, o fim da DRU (Desvinculação das Receitas da União) traria mais caixa para a previdência. Enquanto a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) diz que o déficit é uma farsa, pois soma os recursos da DRU e de outros impostos e contribuições, o Ministério da Fazenda apresenta os números abaixo:
Evidentemente, se maiores parcelas dos impostos forem direcionadas para a previdência o déficit pode diminuir ou até desaparecer. Mas ai o rombo irá para outro setor e será difícil aumentar a carga tributária, que já está em 35% do PIB e é uma das maiores do mundo para países com o nível de desenvolvimento do Brasil. Muitos devedores da previdência são empresas já quebradas e não há como recuperar todas as dívidas. Além disto, este tipo de dívida é um estoque que pode contribuir, para os casos possíveis de recuperação judicial, para reduzir o déficit em um ano, mas não no longo prazo. As isenções fiscais dadas às empresas – com o objetivo de aumentar os investimentos e o emprego – contribuíram para a redução das receitas previdenciárias. Mas aumentar impostos pode levar à perda de competitividade e à fragilização do setor produtivo. Mas o fato inquestionável é que o Brasil gasta mais de 12% do PIB com a previdência e isto tende a passar rapidamente de 20% com o envelhecimento populacional.
Estão corretas as pessoas que apontam para o fato de que as despesas com juros da dívida pública provocam um déficit público maior do que o déficit da previdência. Ideólogos do governo argumentam que primeiro é preciso fazer a reforma previdenciária para depois reduzir juros, o que é uma espécie de argumento cínico. Os críticos do governo dizem que primeiro se deve reduzir os juros para depois fazer reforma da previdência, o que também é inviável, já que as taxas de poupança são muito baixas no Brasil. O correto seria reduzir os juros e reduzir o déficit da previdência ao mesmo tempo, pois o Brasil está em meio à uma grande crise fiscal e não tem recursos para aumentar os investimentos depois de quatro anos de queda da renda per capita (de 2014 a 2017). Não há teoria econômica que explique juros tão altos como os brasileiros.
Há também aqueles que apresentam bandeiras atraentes, mas de cunho demagógico, como: “Nenhum direito a menos”. Acontece que existem alguns privilégios de categorias (como militares, alguns políticos, etc.) e na situação de crise atual o que menos se tem são os direitos respeitados daqueles que estão fora do mercado de trabalho. Quem mais sofre com a crise atual são as jovens gerações que não possuem emprego, mesmo com a Constituição Federal garantindo o direito ao trabalho. O Brasil tem hoje, segundo a PNADC, um montante de mais de 12 milhões de pessoas no desemprego aberto e cerca de 25 milhões de pessoas desocupadas ou desalentadas (conceito de desemprego ampliado). Este número é maior do que toda a força de trabalho da Espanha. Se estas pessoas estivessem empregas e com trabalho decente haveria um grande aumento das receitas previdenciárias e o déficit poderia ser reduzido drasticamente. Mas na falta de investimento, o Brasil joga fora uma grande parte da sua força jovem de produção e não avança com o desenvolvimento tecnológico.
O Brasil deixou de fazer as reformas necessárias no período bom do superciclo das commodities. Agora, a reforma da previdência é uma realidade inexorável. Mas ela não é uma panaceia. Outras reformas são necessárias, como a tributária e a financeira. Reduzir os juros reais para os patamares internacionais é urgente (há vários países com juros negativos), para propiciar a volta dos investimentos e a criação de emprego com aumento da produtividade. É um erro ficar procrastinando as reformas. O Brasil precisa de um conjunto amplo de medidas para evitar o empobrecimento geral da população como tem acontecido nestes últimos quatro anos. São necessárias, por exemplo, políticas para diminuir e erradicar a violência que prolifera nos presídios, nas cidades e no campo. Inclusive a violência contra os animais e contra os ecossistemas.
A crise fiscal brasileira é dramática, pois o déficit nominal chegou a 10% do PIB e a dívida pública cresce de forma exponencial. O Brasil já está revivendo a tragédia grega e, se nada for feito, pode caminhar rumo ao colapso da Venezuela. O país já está passando pela segunda década perdida (a primeira foi nos anos 1980) e pode chegar aos 200 anos da Independência numa tendência submergente irreversível. O Estado do Rio de Janeiro é um exemplo a não ser seguido.
No atual estágio de desenvolvimento e de impasses crescentes, a nação está parindo uma geração perdida, pois há milhões de jovens que avançaram na educação, mas não encontram oportunidades no mercado de trabalho. Sem a contribuição dos jovens a previdência não se sustenta e faltará recursos para viabilizar o bem-estar dos idosos. O conflito intergeracional pode eclodir de maneira imprevista.
Evidentemente a reforma da Previdência, conforme a PEC 287, não resolve todos os problemas e poderia ser melhor formatada no Legislativo. Porém, as diversas denúncias de corrupção da operação Lava-Jato, a falta de legitimidade e popularidade do atual governo e as propostas populistas à esquerda e à direita podem inviabilizar qualquer solução sensata para a crise fiscal.
A proposta original de Reforma do governo já está sendo reconfigurada e abrandada no Congresso, pois forte mobilização dos beneficiários e há um racha na própria base do governo e nenhum deputado ou senador quer tomar atitudes impopulares. Já há umas propostas alternativas nos itens: 1) Escalonar as regras de transição para quem passaria a contribuir ao novo regime previdenciário, em vez de realizar uma transição abrupta para homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45; 2) Atenuar as regras propostas para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes, e manter a distinção entre as aposentadorias urbana e rural; 3) Mudar a regra de cálculo das aposentadorias para antecipar o direito ao benefício integral, acessível pela proposta do governo apenas a quem tiver 65 anos e pelo menos 49 de contribuição.
Segundo reportagem do jornal O Globo, o governo pode abrir mão do gatilho previsto na proposta de reforma da Previdência para elevar a idade mínima para aposentadoria de acordo com a expectativa de vida do brasileiro. Pelo texto enviado ao Congresso, esse mecanismo seria acionado sempre que a expectativa de sobrevida no país aumentar em um ano. As projeções apontam que isso aconteceria na virada de 2030, quando esse gatilho aumentaria a idade mínima de 65 para 66 anos. Outro ponto em discussão diz respeito às mudanças previstas para os benefícios assistenciais (BPC-Loas). Pela proposta original, esses benefícios deixariam de ser vinculados ao salário-mínimo e teriam aumento gradual da idade para receber o auxílio, dos atuais 65 para 70 anos. As mudanças fazem parte de uma série de concessões em estudo para facilitar a aprovação da proposta no Legislativo.
O Brasil vive a mais profunda recessão da história e está mais pobre e mais endividado depois de três anos de queda do PIB per capita. Nunca as taxas de investimento foram tão baixas e nunca o desperdício da força de trabalho foi tão alta. O clima de confronto e de disputa política que tem prevalecido nacionalmente não vai ajudar o país a achar um rumo para a situação de calamidade atual.
O seminário ocorrido na Fundação Getúlio Vargas foi uma contribuição. Outros debates civilizados e democráticos precisam ocorrer. O material disponível no link abaixo pode ajudar a esclarecer o assunto. O tema é complexo, envolve muita paixão, mas só a análise objetiva dos fatos pode apontar uma saída para os impasses atuais. Devemos lembrar que outras reformas na previdência virão e o déficit fiscal está longe de ser resolvido. Indubitavelmente, é preciso uma nova repactuação nacional.
Referência:
FGV, Reforma da Previdência: Análise da PEC 287/2016, Rio de Janeiro, 20/02/2017
Fernando de Holanda Barbosa Filho e Bruno Ottoni. Previdência: Números, Simulação, Fatos e Custos, FGV, Rio de Janeiro, 20/02/2017

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/03/2017
"A inevitável Reforma da Previdência, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/03/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/03/15/inevitavel-reforma-da-previdencia-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

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Um comentário em “A inevitável Reforma da Previdência, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
1.      Bagual
A matemática básica diz que não há déficit na previdência (quem diz isso são auditores da Auditoria Cidadã da Dívida).
E não é uma geração que paga a outra. Cada trabalhador paga sua própria aposentadoria. Se o governo pega esse dinheiro “emprestado”, aí são outros 500.
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