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– ON 22/08/2018CATEGORIAS: CAPA, COMPORTAMENTO, DESIGUALDADES, MUNDO, SOCIEDADE
Uma investigação estatística sobre o grande aumento de peso das populações ocidentais, em 40 anos, revela: as causas essenciais são invasão dos ultraprocessados e ideia de que engordar é culpa individual
Por George
Monbiot | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Fernando
Botero
Quando vi
a foto, mal pude acreditar que era o mesmo país. O retrato da praia de Brighton, em 1976,
estampada pelo Guardian algumas semanas atrás, parecia mostrar
uma raça alienígena. Quase todo mundo era magro. Mencionei isso nas mídias sociais, e
saí de viagem nos feriados. Quando voltei, encontrei as pessoas ainda debatendo
o assunto. A discussão estava quente e me levou a ler os comentários. Como
teremos mudado tanto, tão rápido? Para meu espanto, quase todas as explicações
propostas revelaram-se falsas.
Lamentavelmente,
não há no Reino Unido dados consistentes sobre obesidade anteriores a 1988, quando a incidência já estava
aumentando bastante. Mas nos EUA os dados foram levantados bem antes. Eles
mostram que, por acaso, o ponto de inflexão foi mais ou menos 1976. De
repente, por volta do momento em que a foto foi feita, as pessoas começaram a
tornar-se mais gordas, e desde então a tendência se manteve. A explicação
óbvia, insistiam muitas daquelas pessoas que comentaram a foto, é que estamos
comendo mais. Vários apontaram, não sem razão, que nos anos 1970 a comida era
geralmente muito ruim. Era também mais cara. Havia menos restaurantes de fast
food e as lojas fechavam mais cedo, de modo que se você perdesse seu chá
ficaria com fome. Mas eis aqui a primeira grande surpresa: nós comíamos mais em
1976.
Segundo cálculos do governo, atualmente
consumimos uma média de 2131 kcals [quilocalorias] por dia, um número que
parece incluir doces e álcool. Mas em 1976 consumíamos 2280 kcal, excluindo
álcool e doces, ou 2590, quando os incluímos. Isso pode ser verdade? Não
encontrei razão para duvidar desses números.
Outros
insistiram que a causa é o declínio do trabalho manual. De novo, isso parece
fazer sentido, mas, novamente, não pode ser sustentado pelos dados. Um artigo publicado no Jornal
Internacional de Cirurgia afirma que “adultos trabalhando em serviços
manuais não especializados têm probabilidade mais de 4 vezes maior de ser
classificados como obesos mórbidos, quando comparados com profissionais
especializados.
E quanto
a exercícios voluntários? Um monte de gente argumentava que, como dirigimos, ao
invés de caminhar ou andar de bicicleta, ficamos parados diante de nossas telas
e fazemos nossas compras online, exercitamo-nos muito menos do que antes.
Parece fazer sentido – e então, lá vai a próxima surpresa. Segundo um estudo de
longo prazo da Universidade Plymouth, a atividade física das crianças é hoje a
mesma de 50 anos atrás. Um artigo do Jornal Internacional
de Epidemiologia revela que, corrigido o tamanho do corpo, não há
diferença entre a quantidade de calorias queimadas pelas pessoas nos países
ricos ou pobres, onde a norma continua a ser a agricultura de subsistência.
Propõe não haver relação entre atividade física e ganho de peso. Vários outros estudos sugerem que exercitar-se, embora
crucial para outros aspectos da saúde, é de longe menos importante que a dieta,
para regular nosso peso. Alguns sugerem que não tem papel nenhum,
uma vez que, quanto mais nos exercitamos, mais famintos ficamos.
Outras
pessoas apontaram fatores mais obscuros: infecção por adenovirus-36, uso de antibiótico na
infância e produtos químicos disruptivos do sistema endócrino.
Embora haja evidências sugerindo que todos eles têm seu papel, e ainda que
possam explicar algumas das variações no ganho de peso por pessoas diferentes
com dietas semelhantes, nenhum deles parece ser suficientemente poderoso para
explicar a tendência geral.
Então, o
que aconteceu? A luz começa a surgir quando se olham os dados sobre nutrição
mais detalhadamente. Sim, comíamos mais em 1976,
mas comíamos de modo diferente. Hoje, compramos metade do leite fresco por
pessoa que comprávamos; mas cinco vezes mais iogurte, três vezes mais sorvete e
– veja só – 39 vezes mais sobremesas lácteas. Adquirimos metade dos ovos que
adquiríamos em 1976, mas um terço a mais de cereais para o café da manhã e duas
vezes mais cereais para o lanche; metade das batatas inteiras, mas três vezes mais
batatas fritas. Embora nossa compra de açúcar tenha caído fortemente, o açúcar
que consumimos em bebidas e doces provavelmente disparou (só há números sobre
compra a partir de 1992, quando estava aumentando rapidamente. Talvez, já que
em 1976 consumíamos apenas 9 kcal por dia em forma
de bebida, ninguém imaginou que valesse a pena levantá-los). Em outras
palavras, as oportunidades de sobrecarregar nossos alimentos com açúcar
aumentaram. Como alguns especialistas propuseram há muito tempo, essa parece
ser a questão.
A mudança
não aconteceu por acaso. Como argumentou Jacques Peretti em seu filme O
homem que nos tornou gordos, temos sido goleados deliberada e
sistematicamente. A indústria alimentícia investiu pesadamente na criação de
produtos que usam açúcar para driblar nossos mecanismos de controle
do apetite, embalando-os e promovendo-os de modo a romper o que resta de nossas
defesas, inclusive pelo uso de odores subliminares. Emprega um exército de
cientistas e psicólogos para nos levar a comer mais junk food (e
portanto menos alimentos integrais) do que necessitamos, enquanto seus publicitários usam as últimas
descobertas da neurociência para romper nossa resistência.
Ela
contrata cientistas corruptos e thinktanks para nos confundir a
respeito das causas da obesidade. Sobretudo, assim como a indústria do tabaco
fez com o cigarro, promove a ideia de que manter o peso é uma
questão de “responsabilidade pessoal”. Depois de gastar bilhões para anular
nossa força de vontade, culpa-nos por não queimar calorias fazendo exercícios.
A julgar
pelo debate desencadeado pela foto, tudo isso funciona. “Não há desculpa.
Assumam responsabilidade por sua própria vida, gente!”. “Ninguém te força a
comer junk food, é uma escolha pessoal. Não somos ratos de laboratório.” “Às
vezes penso que ter um sistema de saúde gratuito é um erro. Todo mundo poder
ser preguiçoso e gordo, porque há uma sensação de que se tem o direito de ser
cuidado.” A emoção da desaprovação coincide desastrosamente com a propaganda da
indústria. Temos prazer em culpar as vítimas.
Ainda
mais alarmante, de acordo com um artigo do Lancet, mais de
90% daqueles que elaboram políticas públicas acreditam que “motivação pessoal”
é “uma influência forte ou muito forte no aumento da obesidade”. Essas pessoas
não explicam quais os mecanismos que levaram 61% dos ingleses que estão acima
do peso ou obesos a perder sua força de vontade. Mas essa explicação improvável
parece imune a evidências.
Talvez
isso aconteça porque a gordofobia é frequentemente uma forma disfarçada de
esnobismo. Na maioria das nações ricas, as taxas de
obesidade são muito mais altas na base da pirâmide socioeconômica. Elas
estão fortemente relacionadas com a desigualdade,
o que ajuda a explicar por que a incidência no Reino Unido é maior do que na
maioria das nações da Europa e da OCDE. A literatura científica mostra como baixo poder aquisitivo,
estresse, ansiedade e depressão associados com status social inferior torna as
pessoas vulneráveis a más dietas.
Assim
como as pessoas sem emprego são culpabilizadas pelo desemprego estrutural, e as
pessoas endividadas são culpabilizadas pelos custos impossíveis da moradia, as
pessoas gordas são culpabilizadas por um problema social. Sim, a força de
vontade precisa ser praticada – pelos governos. Sim, precisamos de
responsabilidade pessoal – por parte de quem elabora as políticas públicas.
Sim, o controle necessita ser exercitado – sobre aqueles que descobriram nossas
fraquezas e as exploram impiedosamente.