terça-feira, 19 de julho de 2011

A doença infantil do jornalismo
Luciano Martins Costa
Observatório da Imprensa

“Incompetência histórica” e “Vexame” são algumas das expressões colhidas nas primeiras páginas dos jornais brasileiros de segunda-feira (18/7), depois que a seleção de futebol do Brasil foi eliminada nas quartas de final da Copa América. Imprensa vagabunda diz Ricardo Teixeira da CBF.”
Na capa do caderno de Esportes do Globo, uma pesada ironia. “É tetra!”, grita o título, em letras garrafais, como se diz no jargão da imprensa, referindo-se à coincidência de datas – em 17 de julho de 1994, o Brasil ganhava nos Estados Unidos seu quarto título mundial – em 17 de julho de 2011, a seleção era eliminada após perder quatro pênaltis contra o Paraguai na Copa América.
Corrupção e abusos
A ironia e as pesadas críticas à incapacidade de fazer gols demonstrada pela atual geração, endeusada por seu talento, podem surpreender quem se dispõe a analisar a mídia com alguma objetividade.
Em condições normais de jornalismo independente, a imprensa sempre manteve um olho no desempenho dos craques que representam a renovação do selecionado, após o fracasso na Copa de 2010, e outro olho nas irregularidades que brotam da Confederação Brasileira de Futebol.
Os atrasos e outros problemas na construção da infraestrutura para a Copa de 2014 têm sido fiscalizados com olhar vigilante pelos jornalistas. Mas bastou a bola rolar que desaparece todo senso crítico, a imprensa esquece completamente seu papel e o jornalismo vira torcida rasgada.
Se, como disse o controverso jornalista Nelson Rodrigues, “a Seleção é a pátria de chuteiras”, pode-se afirmar que o futebol é a doença infantil do jornalismo brasileiro. Como no ensaio publicado por Vladimir Illich Lenin em 1920 – no qual criticava a esquerda alemã por tentar isolar os dirigentes partidários das massas operárias, acreditando que as massas saberiam buscar seus objetivos – também a imprensa esportiva brasileira finge que o futebol pode vencer tudo só com o talento e a torcida, apesar dos problemas com a estrutura dirigente das instituições futebolísticas.
Por trás da cobertura jornalística desenrrolam-as as disputas por poder e pelas gordas parcelas de publicidade que os anunciantes despejam na mídia – e esse é o mundo real do futebol.
Ignorar a corrupção e os abusos envolvidos na organização dos campeonatos é comportamento infantil, que se revela também nas reações iradas quando a vitória não vem.
“Imprensa muito vagabunda”
O presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, deixou claro e transparente, em entrevista publicada na edição de julho da revista piauí, que ele conserva o poder absoluto na CBF e que não tem o menor respeito pela imprensa.
“A imprensa brasileira é muito vagabunda”, declarou, com uma sinceridade e clareza raras no noticiário.
Além disso, afirmou que é ele quem manda e que, na Copa de 2014, pode fazer “a maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica: não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo”. Completou o raciocínio com uma frase que é um primor de realismo. “E sabe o que vai acontecer? Nada”, afirmou.
Quase sobrehumano em sua prepotência, o todo-poderoso dirigente da CBF escancara uma realidade que a imprensa não tem coragem de explicitar: quem manda no futebol é ele. Se quiser, pode recusar-se a atender o interesse da Rede Globo, que condiciona os contratos de transmissão das partidas ao horário mais conveniente, após os capítulos da novela de maior audiência – causando prejuizos de milhões de reais em publicidade.
A ameaça de não fornecer credenciais para determinados jornalistas e empresas de mídia tem endereços muito conhecidos: a emissora britânica BBC, que produziu um documentário sobre a corrupção no futebol, a Rede Record, que reproduziu a reportagem, e jornalistas que costumam criticar sua gestão e seus desmandos na CBF, como o colunista Juca Kfouri.
Ao dizer que considera a imprensa brasileira “muito vagabunda”, Teixeira disse também que as denúncias não o incomodam. “Só vou ficar preocupado quando sair no Jornal Nacional”, declarou.
A entrevista à piauí foi publicada na primeira semana de julho. As repercussões se limitaram a poucas declarações de jornalistas esportivos, praticamente restritas à internet. Citada diretamente, a Globo não se manifestou.
Nos próximos dias, certamente os ruidosos analistas vão falar muito da imaturidade dos jovens craques que até ontem eram a salvação da pátria. Vão colocar em dúvida a permanência do técnico da seleção, criticar os gramados argentinos e citar muita numerologia.
E a imprensa brasileira, como um todo, estará justificando as palavras de Ricardo Teixeira.

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