Crise volta
ao Planalto
A Lava Jato fecha o cerco à cúpula do PMDB e dispara a primeira acusação
direta contra o presidente interino Michel Temer
Por: Daniel Pereira
Michel Temer,
presidente interino da República, foi acusado pelo delator Sérgio Machado de
ter pedido 1,5 milhão de reais para um candidato de seu partido, ciente da
origem ilícita do dinheiro(Cristiano Mariz/VEJA)
O país começou a conviver com dois Michel Temer desde a semana
passada. O primeiro está promovendo uma agenda positiva na economia, formou uma
equipe de excelência comprovada e acaba de apresentar uma proposta de emenda
constitucional para definir um teto para o crescimento do gasto público. O
segundo está agora às voltas com uma acusação dura.
O delator
Sérgio Machado, em depoimento aos investigadores da Lava-Jato, disse que o
presidente interino lhe pediu 1,5 milhão de reais durante um encontro na Base
Aérea de Brasília, em setembro de 2012, para a campanha de Gabriel Chalita,
então no PMDB, à prefeitura de São Paulo. O dinheiro foi repassado pela Queiroz
Galvão na forma de doação eleitoral, numa tentativa de dar à transação ares de
legalidade. Às autoridades, Machado confessou que a verba não tinha origem
lícita. Era propina. E Temer, que encomendara a mercadoria, tinha plena
consciência disso. A acusação é forte, mas, do ponto de vista jurídico, tende a
morrer na praia, já que Temer não pode ser investigado por atos estranhos ao
mandato.
O
presidente interino estava certo de que teria uma semana positiva. Com pompa e
circunstância, apresentaria aos parlamentares, como de fato fez, a proposta do
teto. Embalado pela repercussão da iniciativa, faria um pronunciamento em rede
de rádio e televisão para exaltar seu governo, sua capacidade de dialogar com o
Congresso e sua injeção de ânimo nos agentes econômicos. Um otimismo
compartilhado por muitos. Sentindo-se fortalecido, o presidente do Senado,
Renan Calheiros, anunciou que analisaria um pedido de impeachment contra o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que defendera as prisões
preventivas dele, do ex-presidente José Sarney e do senador Romero Jucá,
rechaçadas pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. O céu
parecia clarear para o bom e velho PMDB, finalmente no exercício pleno do
poder. Implacável, a Operação Lava-Jato devolveu os peemedebistas à realidade
dos desvios da Petrobras, a estatal que, na definição já nascida imortal de
Sérgio Machado, é a "madame mais honesta dos cabarés do Brasil".
Ex-tucano
convertido em peemedebista, Sérgio Machado comandou a Transpetro, subsidiária
da Petrobras, entre 2003 e 2014. Em sua delação, fez acusações a Temer, Renan,
que o indicou ao cargo, e mais oito expoentes do partido de se beneficiarem do
dinheiro desviado dos cofres da Petrobras.
A
divulgação do depoimento pegou Temer de surpresa. Primeiro, o presidente
interino soltou uma nota para dizer que sempre respeitou os limites legais ao
buscar recursos para campanhas eleitorais. Soou protocolar. Como não conseguiu
se afastar das cordas, fez uma declaração à imprensa, em que tachou de
"levianas", "mentirosas" e "criminosas" as
afirmações do colega de partido. Não disse que vai processá-lo. "Alguém
que teria cometido aquele delito irresponsável que o cidadão Machado apontou
não teria condições de presidir o país", afirmou, acrescentando que
contestará cada menção a seu nome em defesa de sua honra e "da harmonia do
país". Machado não se intimidou. Em tréplica, reafirmou tudo o que
declarara às autoridades. Diante da agenda negativa, Temer cancelou o
pronunciamento em rádio e TV que faria na sexta-feira com receio de um
panelaço.
A delação
de Machado chama atenção pela riqueza de detalhes, como o uso de senhas para
impedir que a empreiteira, no papel de corruptor, soubesse a identidade do
destinatário final da propina, o corrompido. Ele contou que repassou pelo menos
115 milhões de reais a
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políticos de oito partidos. O PMDB ficou com 100 milhões de reais, sendo as
maiores partes destinadas a Renan (32 milhões), Edison Lobão (24 milhões),
Romero Jucá (21 milhões) e José Sarney (18,5 milhões). A maioria dos valores
era paga em dinheiro vivo. Na delação, Machado diz que teve atritos com Renan,
que chegou a receber mesada de 300 000 reais, porque não conseguia
saciar o apetite do padrinho político, que pedia mais do que o afilhado podia
entregar. Afirma ainda que Lobão, então ministro de Minas e Energia, exigia uma
bolada maior do que a de seus colegas de bancada. A disputa pelo dinheiro sujo era
renhida. Foi ela, segundo o delator, que levou Temer a reassumir a presidência
do PMDB em 2014, para arbitrar o rateio de 40 milhões de reais repassados ao
partido, a pedido do PT, pela JBS. Temer e os deputados estariam se sentindo
ludibriados pelos senadores, que na época comandavam a presidência e a
tesouraria da legenda. Por muito pouco, a arenga não ultrapassou as fronteiras
partidárias.
Criminosos
ou não, os depoimentos de Machado provocaram uma nova baixa no governo.
Apontado como beneficiário de 1,5 milhão de reais em propina levantada na
Transpetro, Henrique Eduardo Alves pediu demissão do Ministério do Turismo. Com
a decisão, disse que fazia um gesto de grandeza, para não constranger a Presidência
interina de seu amigo. Balela. Henrique Alves já era investigado pela
Procuradoria-Geral da República sob a suspeita de embolsar propina paga pela
OAS. Também foi citado na delação premiada de Fábio Cleto, ex-vice-presidente
da Caixa Econômica Federal, que coletava propinas para o PMDB da Câmara, do
qual Henrique Alves era expoente. Para completar, tramita na Justiça um
processo de improbidade administrativa contra o ex-ministro no qual são citadas
suas contas na Suíça. Os extratos foram entregues por sua ex-mulher. Temer
cobrou explicações sobre essas contas no exterior supostamente abastecidas por
meio de transações nebulosas. Recebeu, no dia seguinte, um pedido de demissão
de Alves, que admitiu estar à espera de chumbo grosso.
Foi o
terceiro ministro de Temer a cair em decorrência da Lava-Jato. Romero Jucá
(Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência) foram exonerados depois de
ser gravados pelo operante Sérgio Machado maquinando para "estancar a
sangria" das investigações. O horizonte também é sombrio fora da Esplanada
dos Ministérios. Hoje, a principal preocupação de Temer está na Câmara dos
Deputados. O presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha, peça-chave no
afastamento de Dilma Rousseff, sente-se credor do interino e cobra dele ajuda
para se safar de um processo por quebra de decoro parlamentar. Na semana
passada, o Conselho de Ética, depois de uma infindável sucessão de manobras
protelatórias, finalmente aprovou parecer favorável à cassação de Cunha. Isso
foi o suficiente para recrudescerem os boatos de que ele, caso perca o mandato,
negociará um acordo de delação premiada por meio do qual entregará o
mandarinato de Temer de bandeja ao Ministério Público. O Planalto sabe que
Cunha levantou recursos para financiar a campanha eleitoral de Geddel Vieira
Lima, ministro da Secretaria de Governo, em 2014. Sabe também que ele
intermediou o repasse de dinheiro para outras eminências peemedebistas. Numa
delação, citaria de cabo a rabo sua clientela. Com isso, está posta a ameaça.
Os
assessores de Temer dizem ter a informação de que Cunha será preso nos próximos
dias, o que, se confirmado, pode acelerar eventual colaboração com as
autoridades. Há um pedido de prisão preventiva contra ele sobre a mesa do
ministro Teori Zavascki. As informações prestadas às autoridades por Fábio
Cleto, afilhado político de Cunha na Caixa Econômica, também alimentam a
expectativa de prisão do deputado. A VEJA, Cunha disse que não fechará delação
premiada porque não tem o que delatar. Marcelo Odebrecht dizia a mesma coisa. Mudou
de ideia depois de quase um ano preso. Deflagrada em março de 2014, a Lava-Jato
teve peso decisivo na perda de apoio popular e no afastamento da presidente
Dilma. Agora, ameaça o PMDB e, com a acusação a Temer, instala-se novamente no
Palácio do Planalto.
No governo
anterior, Lula, Dilma, um senador e dois ministros foram pilhados tentando
sabotar as investigações da Lava-Jato.
A ascensão
de Temer ao poder não diminuiu o ímpeto da operação. Todas as incursões contra
as investigações até hoje foram malsucedidas. Diante do fracasso, políticos
passaram a tentar reduzir o poder dos investigadores e constrangê-los. Alvo de
oito inquéritos no petrolão, Renan quer aprovar um projeto para proibir presos
de aderir à delação premiada. Suspeito de receber favores de empreiteiras e
assustado com o garrote da prisão, Lula entrou com uma representação contra o
juiz Sergio Moro na Procuradoria-Geral da República. Os criminosos ainda sonham
com um golpe de última hora no Supremo Tribunal Federal. E olhe que nem vieram a
público as delações dos empreiteiros Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro e do
ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto. A faxina ganhou tração e, ao que
parece, não para mais. http://veja.abril.com.br/
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