"Por
trás das barbaridades cometidas por Dilma e Temer há uma teoria econômica que a
mídia reverencia como verdade — mas que serve apenas aos interesses da
oligarquia financeira"
Peça 1 – do plano Joaquim Levy
à PEC 241
Em 2015, mal assumiu o segundo governo, a presidente Dilma Rousseff
anunciou o plano Joaquim Levy, um enorme aperto fiscal que, segundo ela,
ajudaria a tirar o país rapidamente da crise. Em março daquele ano, baseada nos
estudos de Levy, Dilma sustentava que o pior da crise já havia passado. Nem
havia começado.
Em 2016, Michel Temer e o seu Ministro da Fazenda – e o editorialista da
Folha – prometem que, depois da PEC 241 virá o paraíso do crescimento porque,
graças aos cortes fiscais, haverá a redução dos juros e a retomada do
crescimento.
Sem consumo de governo (por conta da PEC 55), sem consumo das famílias
(por conta do desemprego) e sem o impulso das exportações (por conta da
apreciação cambial), de onde viria o crescimento? Da fé cega e da faca amolada
dos cortes. Será um desastre continuado, fazendo a economia regredir uma
década.
No primeiro semestre de 2017 dirão que o pacote não deu certo porque não
foi duro o suficiente. Os crentes aceitarão que a culpa foi da sua falta de fé.
E toca sacrificar mais empregos, produção e riqueza para seus experimentos.
Peça 2 – a teoria que legitimou os
desastres
Em ambos os casos, de Dilma-Levy e Temer-Meirelles, houve a obediência
cega a teorias que surgiram nos anos 80 e 90 visando demonstrar a pouca
eficácia das políticas fiscais.
Nos anos 90, duas duplas de autores – Giovani-Pagano e Alesina-Perotti –
sistematizaram os estudos, querendo provar que aumento dos gastos públicos não
tinha nenhum efeito sobre a demanda agregada. Portanto, a melhor
alternativa seria efetuar grandes cortes – com baixo impacto no produto – e,
com isso, recuperar a confiança empresarial, despertando o espírito animal do
empresário. Tornou-se o cabo de guerra do neoliberalismo.
A teoria estimava os multiplicadores (o cálculo do efeito de cada
unidade gasta) para subsídios, gastos sociais, compra de ativos etc., com
impacto aparecendo de 3 a 10 meses depois:
· Benefícios Sociais: 0,8416
· Ativos Fixos: 0,414
· Subsídios: 1,5013
· Gasto de pessoal: 0,6055
Eram esses estudos que lhe davam confiança para afirmar, em março de
2015, que o pior da crise já havia passado. Ou, então, nos anos anteriores,
para investir tão pesadamente nos subsídios. Afinal, para cada R$ 1 de
subsídios haveria um efeito de R$ 1,5013 no produto, em um prazo de 3 a 10
meses. E com cortes fiscais, haveria impacto mínimo sobre o produto.
Seria como jogar na Loto sabendo os resultados antecipadamente.
E de nada adiantavam os alertas dos que dispõem de conhecimento empírico
da realidade econômica, que conseguem prever a rota de desastre de teorias que
ignoram a realidade econômica. Serão considerados meros palpiteiros até que,
com o desastre consumado, algum economista consolide os erros cometidos em um
paper.
Peça 3 – a identificação dos erros na
teoria
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) acaba de premiar o trabalho
“Política Fiscal e Ciclo Econômico: uma análise baseada em multiplicadores de
gastos públicos” – de autoria de Rodrigo Octávio Orais, Fernando de Faria
Siqueira e Sergio Wulf Gobetti –, de onde foram tirados os dados acima,
apontando um erro crucial nos trabalhos originais de Giovani-Pagano e
Alesina-Perotti .
Os autores dos trabalhos iniciais montaram uma metodologia analisando a
média histórica dos indicadores. E não se deram conta de que havia variações
fundamentais dependendo dos ciclos econômicos: quando a economia está em
expansão, o impacto dos cortes fiscais é mínimo; mas com a economia em
recessão, o impacto é significativo.
Os brasileiros refizeram, então, as séries, mas separando os resultados
da média (levantada de acordo com a metodologia em vigor), e dos
multiplicadores com a economia em expansão e em recessão. Abaixo, se tem o
raio-x dos desastres econômicos produzidos pelo uso acrítico da teoria.
Multiplicadores
|
Linear
|
Expansão
|
Recessão
|
Benefícios Sociais
|
0,8416
|
0,1536
|
1,5065
|
Ativos Fixos
|
1,0414
|
0,1623
|
1,6803
|
Subsídios
|
1,5013
|
4,7338
|
0,5972
|
Gasto de Pessoal
|
0,6055
|
0
|
1,3265
|
Dilma havia lido apenas o trabalho anterior. O multiplicador para
subsídio era de 1,5013 na média, porque de 4,7338 em períodos de expansão. Na
recessão, no entanto, caía para 0,5972. Foi esse o resultado que explicou a
falta de impacto dos subsídios no produto em 2013 e 2014.
Com a economia em expansão, há a garantia de demanda que leva o
empresário a investir. O subsídio barateia o investimento ou o custo de
produção e ele consegue ampliar sua produção. Na recessão, sem garantia de
mercado, o empresário aproveitará os subsídios para melhorar sua margem e fazer
caixa, não para ampliar os investimentos.
O segundo macro-erro foi no pacote Levy.
Do mesmo modo, na recessão o multiplicador para benefícios sociais é de
1,5065 – expressivo. Para compra de ativos, é mais ainda: 1,6803. Dilma
imaginava que para cada unidade de gasto em benefícios sociais, o retorno seria
de 0,8417, inferior, portanto ,ao que foi gasto. O mesmo para investimento em
ativos fixos. Baseou-se em dados errados.
Repare que, depois de afastada no cargo, nas sessões históricas do
Senado, Dilma invocou várias vezes o FMI para sustentar a importância dos
gastos públicos. Ou seja, só depois de apeada do poder, tomou conhecimento dos
estudos confirmando o que os críticos diziam sobre o desastre do plano Levy. E
Henrique Meirelles nem chegou lá ainda.
De fato, segundo os autores do estudo do STN, o FMI estimulou um debate
público entre 2011 e 2012 – três a quatro anos antes do desastre do pacote Levy
– sobre os rumos da política fiscal nas economias avançadas e em desenvolvimento,
em cima dos motes “O que nós pensávamos que sabíamos” e “O que nós aprendemos
com a crise”.
O estudo do FMI, de autoria de Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro (2010)
sustenta que “a política fiscal anticíclica é um importante instrumento na
conjuntura atual, dada a durabilidade esperada da recessão e o escasso espaço
de ação para a política monetária”.
As conclusões são diametralmente opostas aos enunciados do período
Levy-Dilma e Meirelles-Temer. Concluem que se vive um período extraordinário no
qual o gasto público tem efeitos multiplicadores significativos e no qual
ajustes fiscais convencionais podem ter efeitos contraproducentes para o
próprio objetivo de consolidação fiscal e redução do endividamento (Romer,
2012; De Long e Summers, 2012), segundo dados que constam do trabalho premiado.
Concluem os autores:
“A luz desses
parâmetros, por exemplo, é totalmente inapropriado o corte de
investimentos públicos realizado em 2015 e
mantido em 2016. Diante disso, constituiu–se um
consenso no mainstream, principalmente acadêmico, de que o
foco da política fiscal deveria se concentrar na sustentabilidade do
endividamento público e em regras fiscais voltadas a limitar a
discricionariedade dos governos, deixando preferencialmente para a política
monetária o papel estabilizador da demanda agregada.
O pesado manto ideológico de que se revestiu a teoria econômica impediu
qualquer questionamento a essas supostas verdades estabelecidas. A fé cega
nesses estudos derrubou a economia sob Dilma, contribuiu para derrubar seu
próprio governo, e continuará derrubando a economia sob Temer. Milhões de
empregos perdidos, riqueza transformada em pó, dívida pública explodindo,
receitas fiscais caindo, tudo com base na fé cega nesses estudos.
Agora, os grandes gurus da ortodoxia – como os economistas Afonso Celso
Pastore e Armínio Fraga – já começam a preparar terreno, buscando explicações
antecipadas para o fato da economia não se recuperar no próximo ano.
Peça 4 – os abusos do
experimentalismo econômico
A economia não é nem ciência exata nem universal. Mais ainda que na
medicina, exige o conhecimento teórico, mas associado à sensibilidade para
analisar as condições do paciente.
No entanto, há uma ignorância ampla e generalizada do mainstream
econômico em relação ao mundo real. Como se o conhecimento da economia real
fosse uma extravagância, acientífica, uma forma menor de conhecimento.
Nesse mesmo período, o pacote Levy promoveu um superchoque tarifário e
cambial, simultaneamente a problemas internos de seca impactando os alimentos.
Imediatamente explodiu a inflação. Ao choque inicial sucedem-se ondas
inflacionárias em diversos setores. A lógica dizia que bastaria os meses do
choque saírem da contagem da inflação anual, para os preços irem se acomodando
e a inflação refluir.
No entanto, a visão do cabeça de planilha é incapaz de ir além da
planilha. Não entende a economia real, os impactos dos choques nas diversas
cadeias produtivas, as maneiras como ada setor reage, para poder chegar a uma
conclusão sobre a melhor posologia.
Substituem esse amplo desconhecimento pela análise exclusiva dos grandes
agregados.
É o caso da economista Mônica de Bolle, analisando a demora da inflação
em refluir. Segundo ela, o país estaria entrando na fase da dominância fiscal,
na qual os instrumentos monetários e fiscais não produzem mais efeito
deflacionário. A única saída seria vender reservas cambiais para montar uma
âncora cambial. Não dispensou um parágrafo sequer analisando os impactos da
queda de reservas na volatilidade cambial ou ao menos estimando o que
aconteceria com a inflação quando o impacto dos choques tarifário e cambial
saíssem da contagem anual.
No fim, a inflação está refluindo sem nenhuma atitude heroica.
Pior é a questão das metas inflacionárias, um sistema que drenou para os
rentistas a maior parte do orçamento público. Provavelmente, o excedente dos
juros pagos no período daria para prover toda a malha ferroviária brasileira e
grande parte do sistema de saneamento.
Peça 5 – os limites constitucionais.
Por todos esses fatores, o ideal seria que a sede de participação do
Judiciário o levasse a pensar em limites constitucionais para a política
econômica.
Tome-se o caso do Banco Central. Nos Estados Unidos, o FED é obrigado a
seguir dois objetivos: controle da inflação e preservação do emprego. No
Brasil, apenas o controle da inflação.
Como não tem em suas mãos os instrumentos fiscais, o BC joga todo o peso
em juros estratosféricos, que arrebentam com a atividade econômica, sem nenhuma
preocupação com os impactos sobre o produto e o emprego.
Para fazer demagogia de baixo risco, a presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal) Carmen Lúcia afirmou que não é Ministra da Fazenda, para
avaliar o impacto de medidas judiciais na economia.
Seria mais consistente se,
junto com seus colegas, definissem limites constitucionais ao experimentalismo
da política econômica e aos abusos das políticas fiscal e monetária.
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