POR:
REDAÇÃO
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Novo
livro sugere: fenômeno não é distúrbio psíquico. Quem o pratica reproduz,
na vida privada, as lógicas de competição violenta da sociedade em que
estamos mergulhados
Por Mark Karlin, no Truthout | Tradução: Inês Castilho
O que causa bullying em países como os Estados Unidos? Em “Bully Nation – How the American Establishment Creates a Bullying Society ” (“Como o
Establishment Americano Cria uma Sociedade de Ameaças”, em tradução livre), Charles Derber e Yale R. Magrass mostram como a
desigualdade de poder, o militarismo e o capitalismo agressivo dos EUA tornam prosaico este tipo de prática, tanto no plano individual quanto no institucional.
Frequentemente aborda-se o
bullying de uma perspectiva individual. Por exemplo, alguém pode começar
uma campanha para acabar com o bullying nas escolas. O subtítulo do seu
livro, contudo, indica que ofenômeno não pode ser visto isoladamente. Como
vocês vieram a enxergar isso como um problema cultural sistêmico?
Charles Derber and Yale R. Magrass: O bullying éuma forma de controlar as pessoas, de colocá-las em “seu lugar”. Talvez existahá tanto tempo quanto há vida
humana. Até cerca devinte anos atrás era desdenhado como
“normal”, um rito de passagem que crianças e adolescentes devem passar e “superar”.
Algumas pessoas sofremrelativamente pouco – talvez
sejam eles próprios agressores – e o bullying produz neles pouco impacto, a longo prazo. Para outros, é um trauma que deixa
cicatrizes por toda a vida.
Em sua maior parte, a narrativa sobre o bullying tem sidofeita por psicólogos, que o veem como um problema para indivíduos que necessitam de terapia. Precisamos, porém, averiguar porque ele é tão enraizado; será que pessoas e instituições poderosas têm interesse em promovê-lo e perpetuá-lo?
Em sua maior parte, a narrativa sobre o bullying tem sidofeita por psicólogos, que o veem como um problema para indivíduos que necessitam de terapia. Precisamos, porém, averiguar porque ele é tão enraizado; será que pessoas e instituições poderosas têm interesse em promovê-lo e perpetuá-lo?
Vivemos num capitalismo militarizado. Capitalismo supõe competição –
vencedores e perdedores. Militarismo requer violência, agressão e submissão à
autoridade. O bullying constrói exatamente essas características. A psicologia
é inadequada para compreender sua causa e força. Ela não tem um conceito de
poder, procura estudar indivíduos mudando suas atitudes. A sociologia e a
política são muito melhores para entender o poder. Wright Mills, um sociólogo
dos anos 1950, discorreu sobre a “imaginação sociológica”. Argumenta que não se
pode separar “problemas individuais” de “questões públicas”. Precisamos da
imaginação sociológica para entender o bullying. Como as crianças são educadas
para fundir-se com o capitalismo militarizado? Que tipo de sistema educacional
é necessário para este sistema? Como autoridades educacionais encorajam uma
cultura estudantil que prepara para o capitalismo militarizado e vê o bullying
como parte “normal” da vida?
Estou intrigado por duas expressões
do livro: “capitalismo militarizado” e “bullying do capital”. Vocês
podem explicar a diferença?
Nem todas as sociedades capitalistas são militarizadas (pense na Costa
Rica ou na Suécia), e nem todas as sociedades militarizadas são capitalistas
(pense na Rússia ou na Arábia Saudita). Nós às vezes esquecemos isso, porque os
EUA combinaram muito sutilmente o militarismo e o capitalismo,
criando o “capitalismo militarizado”. O militarismo é, intrinsecamente, uma
força ameaçadora; por seu lado o capitalismo é também um sistema muito
ameaçador. Todos os Estados militarizados, até mesmo aqueles não capitalistas, são
intimidadores. E o mesmo é verdade para estados capitalistas que não são
militaristas.
Mas quando se tem um sistema capitalista militarizado, os esfeitos são
multiplicados. Tanto o elemento militarista do sistema quanto o capitalista
criam bullying – e a sinergia cria um superbullying. Essa é uma das razões
pelas quais os EUA são a mais poderosa e perigosa nação intimidadora.
A expressão “bullying do capital” – título do Capítulo 2 do livro –
refere-se ao bullying inerente ao capitalismo, operado pelas elites
capitalistas até mesmo em sociedades não-militarizadas. A classe capitalista –
e em especial as corporações – ameaçam trabalhadores, consumidores,
fornecedores, corporações e fornecedores rivais. Marx construiu toda a sua
teoria da exploração capitalista como uma relação de ameaça entre a classe
capitalista e a classe trabalhadora. Pensamos ser pertinente denominar esse
tipo de bullying de “bullying do capital”.
Como a eleição de 2016, e
especificamente Donald Trump, ilustram a ideia de “nação bully”?
Donald Trump encarna a imagem que a maioria das
pessoas têm de bullying. Com seus insultos, ataques e mesmo ameaças violentas,
ele parece uma criança – muito crescida e muito
velha — praticando bullying. Mas, de novo, precisamos ser cuidadosos e não
psicologizar excessivamente.
Há uma questão sociológico-política mais importante: por que ele é tão
popular, ao menos em certos círculos? As pessoas dizem frequentemente que
Hitler era louco, mas isso pede uma pergunta: como um lunático consegue milhões
de seguidores e domina um dos países mais desenvolvidos do mundo? Embora sejam
brutais e crueis, bulliers são frequentemente admirados.
Quando Trump tinha seu reality show – “O Aprendiz” –, as pessoas
aplaudiam a cada vez que ele anunciava: “Você está demitido!”. Num tempo de
ansiedades, quando os salários estão estagnados há décadas, quando homens
brancos sentem seu status ameaçado pelas mulheres e negros, quando pessoas do
Terceiro Mundo podem derrotar os Estados Unidos no Vietnã, Iraque e
Afeganistão, alguns grupos podem sentir necessidade de um protetor que irá
“tornar a América grande novamente”. Por “grande”, Trump quer dizer que os Estados
Unidos devem sentir-se livres para ir a qualquer lugar que desejem, fazer
qualquer coisa, em qualquer parte do mundo, impunemente. Ninguém pode ter
permissão de bagunçar a América. É necessário um homem forte – um bullier.
Para proteger você, ele deve assegurar que ninguém pode desafiá-lo – ele
deve ser capaz de destruir as ameaças. Quanto mais efetivamente ele ameaça,
mais seguro você se sentirá. Você pode até mesmo sentir-se empoderado com seu
brilho; você pode ser parte da casta dominante, do time vencedor. Pessoalmente,
sua vida pode não ser lá grande coisa, mas você pode ao menos ser parte de
alguma coisa grande – o bully mundial.
Você pode falar um pouco sobre
bullying racial e de classe?
Capitalismo é bullying; é competição – vencedores e perdedores. A
desigualdade de classe está no centro do capitalismo. Os fracos merecem sua
sorte. Qulquer pessoa que pode ser intimidada merece sê-lo. Os pobres não têm
resistência e disposição. Eles devem submeter-se ao poder daqueles que têm
força para construir indústrias, fortunas e impérios. Os fortes estão
destinados a governar os fracos. Para a economia prosperar, o 1% deve ser livre
para intimidar os 99%.
O bullying racial não é essencial para o capitalismo militarizado, mas é
útil. Os Estados Unidos começaram quando os europeus cruzaram o Atlântico para
apossar-se das terras dos nativos americanos e aniquilá-los. Eles tinham
liberdade de fazê-lo porque os nativos eram definidos pelos europeus como
pessoas inferiores e não-civilizadas, incapazes de ser livres, ter sua própria
cultura e sua própria terra, talvez incapazes até mesmo de viver. Os europeus
foram escolhidos por uma força superior. Eles tinham o “Destino Manifesto” para
intimidar, dominar e prevalecer.
No início, os europeus tentaram escravizar os nativos, ameaçá-los para
fazer seu trabalho para eles, mas isso mostrou-se impraticável já que os
nativos morriam ou escapavam para terras que conheciam melhor do que os
europeus. Então os europeus voltaram-se para os africanos, os quais também eram
definidos como menos-que-humanos, criaturas infantis, incapazes de cuidar de si
mesmos, que necessitavam da civilização e proteção europeias. Eles tinham de ser
dominados para seu próprio bem. Vinte milhões foram forçados a cruzar o
Atlântico, com metade morrendo no caminho.
A escravidão negra pode ter tornado brancos pobres ainda mais pobres,
aprofundado a divisão de classes e pode ter aumentado o bullying de classe, mas
ao menos os brancos pobres poderiam sentir-se parte do bullying racial.
Contudo, isso produziu um seleto grupo de muito poucos ricos, com mais riqueza
vinda da escravidão do que da terra, colheitas, ferrovias ou fábricas. O
bullying racial reforçou o bullying de classe. Ele dividiu os 99% e levou
muitos dentre os 99% a identificar-se com o 1%, ao invés de questioná-lo.
Quando a escravidão acabou, o bullying racial contra os negros continuou
na forma das leis de
segregação Jim Crow, e mesmo quando elas acabaram, o bullying racial
subesiste com evidências como brutalidade policial contra os negros. O bullying
racial ajuda a construir a popularidade de gente como Donald Trump.
Muita gente provavelmente não pensa
em bullying ambiental. Podem explicar o conceito?
Em nossa era de mudanças climáticas catastróficas, é difícil não pensar
sobre “bullying ambiental”. Mas, embora todo capitalismo militarizado crie efeitos ambientais
devastadores, não encontramos nenhum trabalho que use esse termo.
Na vida cotidiana, é claro, muitos sabem que determinadas pessoas ameaçam seus cachorros ou outros animais. As pessoas também se dão conta de que há uma cultura de bullying animal – como o negócio mortal de briga de cães. E a maioria das pessoas está também consciente de que o agronegócio – seja da Purdue, da Tyson ou da Cargill – transforma o bullying de animais em um mecanismo de lucro impiedoso.
Na vida cotidiana, é claro, muitos sabem que determinadas pessoas ameaçam seus cachorros ou outros animais. As pessoas também se dão conta de que há uma cultura de bullying animal – como o negócio mortal de briga de cães. E a maioria das pessoas está também consciente de que o agronegócio – seja da Purdue, da Tyson ou da Cargill – transforma o bullying de animais em um mecanismo de lucro impiedoso.
Mas, embora seja bastante óbvio que os animais são hostilizados, pode
parecer menos claro que plantas ou solo ou pedras possam sofrer bullying. O
bullying implica em que a vítima pode experimentar alguma forma de consciência.
Várias culturas indígenas acreditam que toda a vida e a natureza têm espírito
ou consciência, mas as sociedades ocidentais construíram uma visão de
não-senciência das plantas e de toda a natureza, permitindo que os humanos
ataquem e destruam todas as formas de vida.
A ciência agora mostra que muitas plantas têm, de fato, notáveis formas de consciência e comunicação. Estudos recentes sobre as árvores mostram que elas se comunicam entrelaçando suas raízes, e de fato sobrevivem e prosperam construindo “comunidades de árvores”. Cientistas que estudam florestas falam agora de árvores “solitárias” que se tornam isoladas e morrem rapidamente.
A ciência agora mostra que muitas plantas têm, de fato, notáveis formas de consciência e comunicação. Estudos recentes sobre as árvores mostram que elas se comunicam entrelaçando suas raízes, e de fato sobrevivem e prosperam construindo “comunidades de árvores”. Cientistas que estudam florestas falam agora de árvores “solitárias” que se tornam isoladas e morrem rapidamente.
No epílogo do livro, vocês debatem algumas novas formas de reduzir o
bullying. Vocês podem descrever algumas destas ideias?
A visão psicologista convencional – a de que o bullying ésimplesmente uma forma de distúrbio pessoal ou doença mental – conduz à ideia segundo a qual a única solução é a terapia. Isso cria uma
verdadeira indústria de aconselhamento escolar, num esforço que não freou a
prática de bullying por crianças (na escola ou online).
Não chega a ser surpresa, já que a abordagem
terapêutica não compreende a principal raiz do problema. Quando crianças ou
adultos ameaçam, estão respondendo a estímulos de suas empresas e sua sociedade
militarizada. Não estão “doentes”, desajustados ou “sub-socializados”. Ao
contrário: estão muito bem ajustados; não precisam de
terapia para se ajustar.
Debatemos a presença, nas escolas, de um significativo movimento
“anti-bullying”, cheio de boas intenções mas fixado no foco psicologista. A
prática continuará a crescer até que nos livremos do pensamento convencional e
foquemos nas raízes do problema.
Significa usar a “imaginação sociológica” e perceber que muitos
problemas pessoais – o bullying é um grande exemplo – são na verdade problemas
sociais. A melhor maneira de reduzir o fenômeno é mudar nossa sociedade,
reduzindo seu caráter militarista e caminhando para um sistema menos marcado
pelas lógicas capitalistas. Países como a Suécia têm taxas muito mais baixas de
bullying. Isso é porque não são militarizados: poderiam ser vistos como o que
Bernie Sanders chama de “socialismo democrático”. Sua rede de benefícios
sociais universal e seu forte movimento de trabalhadores reduzem as
desigualdades de riqueza e poder, que são as causas sistêmicas do bullying.
Tal tipo de mudança, nos Estados Unidos, poderá ocorrer apenas quando os
movimentos sociais contra o capitalismo militarizado e as hierarquias sociais
baseadas em etnia, classe e gênero tornarem-se mais fortes. Estes movimentos
estão disseminados, porém fragmentam-se. Precisam trabalhar juntos. Como o
bullying é um problema sistêmico, é preciso que os movimentos busquem mudanças
estruturais mais amplas para reduzir o fenômeno.
Alguns grupos anti-bullying
– que
atuam em grupos-alvo, como mulheres, negros, latinos, muçulmanos e membros das
comunidades LGBTQ – começam a compreender a natureza social do problema. Porém,
para se tornar efetivos, eles devem tornar seus movimentos universais.
Significa somar forças para reduzir as hierarquias sociais e para criar uma
alternativa ao capitalismo militarizado que assegure direitos e poderes iguais
e repeito a todos. http://outraspalavras.net/capa/bullying-retrato-de-um-sistema-doente/
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