A captura do sistema político
Para falar sobre a situação política atual no
Brasil é preciso compreender algumas mudanças substantivas que ocorreram no
passado recente e criaram as condições para o que chamo de captura do sistema
político pelo poder econômico, o maior problema de nossa democracia.
Até 1997, no Brasil, as empresas eram proibidas de
financiar campanhas eleitorais. A onda neoliberal mudou esse cenário. Foi com a
lei eleitoral n. 9.504/97 que as empresas passaram a poder financiar candidatos
e campanhas leitorais. E isso mudou tudo.
A nova lei eleitoral, inspirada no modelo
norte-americano, permite que as empresas criem vínculos diretamente com os
candidatos, sem qualquer intermediação dos partidos. Os partidos, seus programas
e propostas ficam em plano secundário. E, nessa relação direta entre candidato
e empresa, o que desejam os doadores? Desejam políticas que atendam a seus
interesses privados, desejam a defesa de seus interesses nas arenas decisórias
das políticas públicas. Para isso organizam lobbies, pautam a mídia, mas também
elegem bancadas parlamentares e influem na escolha de gestores públicos.1
O modelo europeu de financiamento de campanhas
eleitorais vai no sentido contrário, valorizando e fortalecendo os partidos
políticos, e não as candidaturas individuais. E há países que proíbem o
financiamento de campanhas eleitorais por empresas, tais como Peru, Colômbia,
México, Canadá, França e Portugal. A Espanha estuda adotar essa nova política
agora.2
O financiamento eleitoral por empresas foi
modificando cada vez mais a composição do Congresso Nacional e reduzindo à
impotência os candidatos com poucos recursos. Se nas eleições de 2002 os gastos
totais foram de cerca de R$ 800 milhões, em 2014 eles chegaram a R$ 5,1 bilhões,
quase em sua totalidade contribuições feitas por empresas. Além das doações
privadas, os partidos políticos receberam R$ 308 milhões de recursos públicos
provenientes do Fundo Partidário, e as TVs receberam R$ 840 milhões de isenções
fiscais pelo tempo “gratuito” de veiculação de campanhas eleitorais.3
Em média, nas últimas eleições, um deputado federal
eleito gastou R$ 1,4 milhão para se eleger; um senador, R$ 4,9 milhões; os
candidatos eleitos gastaram onze vezes mais que os não eleitos.4 Os que não
contaram com esse aporte financeiro em suas campanhas, por melhores candidatos
que fossem, salvo raríssimas exceções, não se elegeram.
Esse fenômeno de captura do sistema político pelo
poder econômico é mundial. Nos Estados Unidos, a situação é a mesma. Quando, em
janeiro de 2010, a Suprema Corte norte-americana decidiu em favor do
financiamento de campanhas eleitorais por empresas, o jornal The New York
Times, em editorial, denunciou que esse era “um golpe no coração da democracia,
facilitando o caminho para que as corporações empresariais empreguem seus vastos
tesouros para inundar com dinheiro as eleições e intimidar os governantes
eleitos para que obedeçam a suas determinações”. Noam Chomsky, na mesma época,
denunciou: “Essa liberalização financeira cria o que alguns chamam de
‘parlamento virtual’ de investidores e credores que controlam de perto as
políticas governamentais e ‘votam’ contra elas, se as consideram ‘irracionais’,
quer dizer, se elas beneficiam o povo, e não o poder privado concentrado”.5
O resultado é claro. Em 2014, no Brasil, as dez
empresas que mais doaram para as campanhas eleitorais para a Câmara dos
Deputados elegeram 360 deputados de um total de 513, isto é, 70% da Câmara
Federal.6 O Congresso Nacional de 2015 não está formado por bancadas de
partidos políticos, e sim por bancadas de interesses privados que estão
distribuídas por todos os partidos.
A bancada ruralista é composta por 374 deputados
federais – sendo 118 deles do próprio agronegócio –, distribuídos por 23
partidos. A bancada dos bancos conta com 197 deputados e se distribui por
dezesseis partidos. A bancada dos frigoríficos tem 162 deputados alojados em 21
partidos. A bancada das mineradoras tem 85 deputados em dezenove partidos. A
bancada da bebida alcoólica conta com 76 deputados em dezesseis partidos.7 Isso
para falarmos apenas das maiores bancadas de interesses privados e sem nos
referirmos, por exemplo, à bancada evangélica, cuja agenda fundamentalista está
longe da defesa do interesse público.
A realidade é que a composição atual do Parlamento
brasileiro é de 70% de fazendeiros e empresários (da educação, da saúde,
industriais etc.).8
O novo Congresso é militantemente conservador e
reacionário. Posta sob um comando errático, que atua ao sabor da disputa
política do momento, sob forte influência das bancadas de interesses privados,
a Câmara dos Deputados impõe políticas de restrição de direitos, cuja expressão
máxima é a proposta de terceirização para todas as atividades de qualquer
empresa. É o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
1 Tiago Daher Padovesi Borges, “Um estudo sobre as
doações empresariais e as carreiras nas eleições de 2006”, 36º Encontro Anual
da Anpocs, 2012.
2 Mariana Schreiber, “Financiamento empresarial de
campanha é proibido em 39 países”, 31 mar. 2015.Disponível em:
www.pragmatismopolitico.com.br
3 Mariana Schreiber, op. cit.
4 José Roberto de Toledo e Rodrigo Burgarelli,
“Candidatos eleitos gastam em média 11 vezes mais que não eleitos”, Estadão, 7
nov. 2014.
5 Noam Chomsky, “Las empresas toman la democracia
de EEUU” [As empresas tomam a democracia dos EUA], Sin Permiso, 8 fev. 2010.
6 Américo Sampaio, “Do que estamos falando quando
debatemos o financiamento empresarial de campanha?”. Disponível em:
www.escoladegoverno.org.br/artigos/4041.
7 Sandra Gonçalves Costa, pesquisadora da USP. In:
Najar Tubino, “Conflitos no campo: o rastro da violência e da política”, Carta
Maior, 20 abr. 2015; Frei Betto, “Reforma política já”, Observatório da
Sociedade Civil, Abong, 2015.
8 Frei Betto, op. cit.
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