CULTURA
CINEMA > "O PAÍS DO FUTURO"
Stefan Zweig enganou-se sobre o Brasil
Por Rui Martins em 24/08/2016 na edição 917
O escritor Stefan Zweig foi destaque no Festival de Cinema de Locarno,
com a projeção de um filme a ele dedicado, “Antes do Despontar do Dia”,
dirigido pela cineasta alemã Maria Schrader, tendo como atriz Barbara Sukowa
(vivendo a primeira esposa de Zweig) conhecida por papéis nos filmes de
Margarethe von Trota, como Hanna Arendt e Rosa Luxemburgo.
Stefan Zweig é talvez o escritor mais conhecido e o menos lido no
Brasil. A razão de ter se tornado tão popular entre os brasileiros é sua frase
célebre, sempre citada e título de um de seus livros – Brasil, o País do
Futuro.
Cena do filme “Antes do Despontar do Dia”. Foto
Divulgação
Stefan Zweig esteve a primeira vez no Rio de Janeiro em 1936, quando foi
recebido pelo Ministério das Relações Exteriores, pois era, sem dúvida, o
escritor mais célebre do mundo. Ainda me 1936, numa conferência do PEN Club, em
Buenos Aires, o filme mostra o pacifista Zweig se negando a fazer uma
condenação formal do hitlerismo, julgando talvez que sua posição de escritor no
exílio seria muito confortável para condenar a Alemanha. Uma posição de “não
engajado”, difícil de aceitar por um jornalista americano. Em 1940, em plena
Segunda Guerra Mundial, veio ao Brasil para viver em Petrópolis, deixando Nova
Iorque, por ter se encantado com o Brasil onde acreditava um entendimento e
integração entre as diversas etnias.
Judeu austríaco, tinha deixado seu país em 1934, sabia, portanto, o
significado do racismo que se alastrava pela Europa com a ideologia nazista de
Hitler. Logo depois da ascensão de Hitler, a Alemanha iniciara sua política
antissemita e a Áustria logo a ela se uniria pelo chamado Anschluss. Seu
primeiro país de exílio foi a Inglaterra, onde viveu até o país começar a ser
bombardeado pela Alemanha, depois da invasão e ocupação de muitos países
europeus pelas tropas nazistas.
Uma outra frase de Zweig fez prova de clarividência – a de que a Europa
se tornaria um continente sem fronteiras e sem passaportes, antecipando a União
Europeia. Entretanto, seu entusiasmo pelo Brasil fez com que cometesse o erro
de considerar o Brasil um país ideal, sem racismo, não percebendo nas suas
rápidas viagens haver, naquela época (e ainda hoje) um racismo latente. A falta
de choques não significava perfeita integração das etnias. No Brasil da época
de Zweig, havia a sujeição e a semi-escravidão da população negra. A libertação
da negritude com chances iguais para os não pertencentes à elite branca, só
começou a ser criada (mas não concluída por não ter havido criação de
infraestruturas sociais) com a chegada de Lula ao governo e a criação das cotas
nas universidades.
As duas
visões de Zweig
Convivendo provavelmente com a elite de Petrópolis, Stefan Zweig não viu
ser só aparência o equilíbrio social no Brasil dos anos 40 que, politicamente
vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas, com alguns ministros simpatizantes do
nazismo e sua teoria de raça pura, o que eliminava negros e mulatos brasileiros
de qualquer possibilidade de ascensão social. Zweig não viu que para as
mulheres negras e mulatas só havia, naquela época, uma profissão possível – a
de empregadas domésticas, a maioria em situação de semi-escravidão.
O otimismo de Zweig com relação ao Brasil era contraposto por um excesso
de pessimismo com relação à Europa e ao mundo, razão pela qual Zweig e sua
esposa se suicidaram em 1942, em Petrópolis. Havia também a dificuldade de
viver no exílio.
Por falta de um bom financiamento, o filme, exibido na Piazza Grande, em
Locarno, e com muitas cenas faladas em português, não foi rodado no Brasil mas
na ilha de São Tomé com sua luxuriante vegetação tropical, diferente de
Petrópolis. Mesmo porque, explicou a realizadora Maria Schrader, não seria
possível rodar o filme dos anos 40, na Petrópolis de hoje. http://observatoriodaimprensa.com.br/cinema/stefan-zweig-enganou-se-sobre-o-brasil/
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