JORNALISMO POLÍTICO
Reciclando a cobertura política
Por Luciano Martins Costa em 02/01/2015 na edição 831
Comentário para o programa
radiofônico do Observatório, 2/1/2015
Os principais jornais do país capricham na cobertura da cerimônia de
posse da presidente da República, Dilma Rousseff, em seu segundo mandato. A
reinauguração do governo petista mereceu nas edições de sexta-feira (2/1) um
pouco mais de volume e densidade noticiosa do que a primeira posse de Dilma, em
janeiro de 2011.
A própria imprensa faz algumas comparações com o evento de quatro anos
atrás, mas aproveita a chance para explorar o escândalo da Petrobras e as
dificuldades contábeis do governo.
Em 2011, Dilma assumiu com a fama de boa gestora, de uma “gerentona”
rigorosa, mas, em termos políticos, a imprensa havia tentado colar nela a
depreciativa nominação de um “poste” plantado pelo seu antecessor, o
ex-presidente Lula da Silva. Duvidava-se de que seria capaz de dominar o
complicado jogo das alianças que condiciona o exercício do poder em Brasília.
Na nova versão, a imprensa reconhece que a presidente implantou sua
marca pessoal, distanciando-se da matriz onde nasceu sua candidatura, e procura
explorar supostas divergências entre ela e seu mentor. Assim, o noticiário
passa ao leitor a ideia de que Dilma sofre pressões do grupo político liderado
por Lula da Silva, por admitir uma receita próxima do ideário tido como
neoliberal para superar o déficit circunstancial no Tesouro e indicadores
negativos em alguns aspectos da economia.
De passagem, aqui e ali alguns artigos e editoriais afirmam que as
primeiras medidas anunciadas pelo Planalto contradizem promessas de campanha,
embora algumas delas venham a atender recomendações da iniciativa privada
vocalizadas pela própria mídia. Mas o que chama mais atenção na cobertura da
posse é a diminuição do protagonismo da oposição nos cenários desenhados pelos
jornalistas.
Basicamente, os jornais dedicam aos representantes oposicionistas apenas
frases esparsas, negando-lhes a oportunidade de expor com clareza o que pensam
dessa passagem do poder em um governo vergastado pelo escândalo da Petrobras e
acossado por dificuldades nas contas públicas.
“Oposição selvagem”
A leitura cuidadosa dos três principais diários de circulação nacional
mostra uma diminuição do espaço concedido rotineiramente aos representantes
mais destacados da oposição. Seria um sintoma de que a imprensa hegemônica
estaria recolhida para tratar as cicatrizes de mais uma derrota nas urnas? Ou a
ausência de declarações retumbantes seria resultado simplesmente da falta do
que dizer?
Para analisar o discurso predominante na mídia, é preciso observar as
expressões que ancoram a mensagem central, e em geral esse processo de indução
a certa interpretação dos fatos pode ser observado a partir de alguns pontos
fixos: a manchete, um editorial e um ou dois artigos; também se pode
acrescentar, eventualmente, a leitura de notas implantadas nas colunas de
política para complementar essa constatação.
Assim, pode-se observar que os jornais procuram relacionar o discurso da
posse presidencial ao reempacotamento de um velho produto, ou seja, tentam
grudar no governo que se inaugura uma etiqueta de validade vencida. Além disso,
os textos insistem em demonstrar um distanciamento entre a presidente que
assume o segundo mandato e o ex-presidente que a lançou na carreira política.
O fato de o ex-presidente Lula da Silva ter participado discretamente da
cerimônia de posse é apresentado como sinal de que alguma coisa não vai bem nas
relações entre eles. Para complementar essa versão, usa-se o artifício das
notas curtas que relatam descontentamentos nas bases do partido com algumas
nomeações para o ministério.
Também é interessante observar como
os jornais reduziram as citações do senador Aécio Neves, que até a semana
passada era apresentado como líder da oposição. Até o cariocaO Globo,
que nunca negou respaldo ao senador mineiro, o coloca em segundo plano. O
personagem principal da oposição, na nova versão da imprensa, é o governador
reeleito de São Paulo, Geraldo Alckmin.
O Estado de S. Paulo dedica
um longo texto à disputa entre os dois, mas afirma que Aécio personifica uma
“oposição selvagem”, lembra que sua passagem pelo Senado foi pouco expressiva,
enquanto apresenta Alckmin como o nome natural para disputar a presidência em
2018. Já a Folha de S. Paulo praticamente ignorou o senador
mineiro.
Terá mudado a imprensa ou a política?
Nem uma coisa nem outra: o que parece novo é apenas material reciclado.
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