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Thomas Shannon, com quem Aloysio Nunes encontrou-se logo
após o impeachment passar na Câmara. Ex-embaixador no Brasil, entre 2013 e 16,
é agora o “número 3″ no Departamento de Estado
Como fundações norte-americanas financiaram grupos como o MBL,
que dizem agir “pelo bem do Brasil”. Os encontros de Aloysio Nunes em
Washington, e a visita de Temer ao cônsul geral dos EUA
Por Pedro
Marin
Auditórios cheios, carros de som,
escritórios. Organizações como Instituto Millenium, Movimento Brasil Livre
(MBL), Instituto Liberal, Instituto Ludwig Von Mises e Estudantes Pela
Liberdade, como num passe de mágica, emergiram no cenário político brasileiro,
publicando livros e realizando manifestações com enormes estruturas,
treinamentos e palestras – um processo que encontrou terreno fértil no país,
devido à crise mundial e à Operação Lava Jato.
Apesar das tentativas de seus fundadores
e por parte da imprensa em pintar os projetos que defendem como algo “para o
bem do Brasil”, oriundo “do povo brasileiro” e “espontâneo”, todas estas
organizações contam com financiamento e articulação estrangeira, conforme
detalhou a reportagem de Marina Amaral na Agência Pública, mostrando como uma rede de
ONGs promove treinamento de lideranças, patrocina “intelectuais” para aglutinar
consensos nas redes e movimentos para incendiar as ruas. Entre as organizações
presentes na América Latina e leste europeu chama atenção, em especial, a Atlas Network.
Fundada em 1981 com objetivo de
“promover políticas econômicas do livre mercado pelo mundo”, a Atlas é um
think-tank que financia declaradamente as atividades da direita em mais de 90
países. Com um orçamento anual de US$ 11,5 milhões, ela atua patrocinando a
formação de quadros neoliberais. Como a legislação dos EUA impede que essas
entidades financiem agitações políticas mundo afora, cada movimento é amparado
por “institutos de formação”, que estão liberados para receber os recursos.
Esse é o caso da relação do centro de formação Estudantes pela Liberdade (EPL)
com a militância profissional do MBL, por exemplo. O orçamento do EPL deste ano
saltou para R$ 300 mil. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil,
o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A
gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas,
junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as
principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma
organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas
para a gente”, declarou Juliano Torres diretor executivo do EPL.
Na Ucrânia – onde em 2014 houve um golpe
contra o Presidente eleito Viktor Yanukovich -, a Atlas financiou, por exemplo,
o Centro de Liberdade Econômica Bendukidzke e o Centro Para Pesquisa Econômica
e Social. O primeiro tem como membros o ex-Presidente da Georgia e atual
governador de Odessa, Mikheil Saakashvili, além do vice-chefe da administração
(pós-golpe) do Presidente Petro Poroshenko, Alexander Danyluk. O segundo é
também financiado pela Open Society Foundation, do famoso especulador e homem
das revoluções coloridas, George Soros, e tem como parceiros agências
governamentais ucranianas, canadenses e inglesas, além da USAID (EUA) e o Banco
Mundial.
Em 2014, a Atlas despejou US$
4,5 milhões mundo afora em uma série de organizações mais ou menos
similares, segundo o formulário990, que as organizações
filantrópicas têm de entregar a Receita Federal nos EUA. Somente na América
Latina, foram alocados US$ 984 mil equivalente a R$ 3,9 milhões a organizações
que seguem o pensamento de liberais como Milton Friedman, Hayek e Mises, e
fazem oposição aos governos progressistas da região. É o caso de Cedice
Libertad, da Venezuela, e de organizações como a norte-americana Human Rights
Foundation, criada pelo venezuelano Thor Halvorssen, primo de Leopoldo López e
filho de embaixador durante o governo de Andrés Pérez, que mira em especial os
países com governos não-alinhados a Washington (Venezuela, Cuba, Rússia) e que
se tornou conhecida em 2015 por criar uma campanha para lançar propaganda em
território norte-coreano por meio de balões de gás.
A Atlas por sua vez também é financiada
por uma série de grandes corporações e outras fundações. Empresas como Google,
a gigante do petróleo Exxon Mobil e organizações como a DonorsTrust [1], State
Policy Network, criada pelo empresário e conselheiro de Ronald Reagan Tom Roe, e a Charles G. Koch Foundation [3], ligada às famigeradas Indústrias
Koch, são alguns dos nomes que colaboraram para que a Atlas, no ano de 2014, doasse mais de 10 milhões de dólares pelo mundo.
Uma revolução colorida para o Brasil?
É claro que é motivo para
fazer soar os alarmes: a direita liberal cresce exponencialmente e combate num
país com 31 anos de tradição democrática, de abismos sociais no campo e nas
cidades, onde um partido governou nos últimos 12 anos com apoio maciço e
manteve alianças com governos populares da região. Até a rua, historicamente
monopolizada pela esquerda, foi tomada.
A isso se somam outras estranhíssimas
casualidades: o juiz Sérgio Moro, há pouco responsável pelas fagulhas que
incendiaram o país, fez em 2009 um “curso para potenciais líderes” nos EUA, patrocinado pelo Departamento
de Estado. É também notável o fato de que no processo da Lava-Jato,
somente empresas brasileiras tenham sido atingidas, ainda que diferentes denúncias contra companhias estrangeiras tenham
sido feitas. Um dia após a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados o
Senador Aloysio “quero ver ela sangrar” Nunes viajou para o quartel-general do
poder global: Washington. Por lá, conforme revelou o colunista Mark Weisbrot, no Huffington Post, encontrou-se com o
ex-embaixador dos EUA no Brasil e atual “número três” no escalão do
Departamento de Estado, Thomas Shannon: “A disposição por parte de Shannon em
encontrar-se com Nunes alguns dias depois da votação do impeachment envia um
poderoso sinal de que Washington está com a oposição nesse empreendimento.
Como sabemos disso? Muito simples, Shannon não precisava ter comparecido a
esse encontro. Se ele quisesse mostrar que Washington estava neutro em relação
a esse feroz e altamente polarizador conflito, ele não teria se encontrado com
protagonistas notáveis de nenhum dos lados, especialmente nesse momento.”
Por fim, para o ansiedade dos
desconfiados e o choque dos distraídos, é importante notar os laços que o Sr.
Michel “quero jantar com Biden” Temer manteve com seus parceiros do norte. Em
19 de Junho de 2006, por exemplo, Temer – à época presidente do PMDB –
encontrou-se com o cônsul-geral dos EUA no Brasil, em São Paulo, e respondeu a
perguntas em relação às eleições, os candidatos, e seu partido. Diz o cônsul
para Washington, em mensagem vazada pelo Wikileaks em 2011: “Tratando do
destino de seu próprio partido, Temer confirmou que o PMDB não terá um
candidato para a Presidência, e não entrará em nenhuma aliança formal com o
PSDB ou o PT. […] O PMDB continua rachado quase ao meio entre grupos pró e
contra Lula. O último busca alianças com o PT e busca diversos ministérios na
segunda administração de Lula. Temer, que é anti-Lula, foi altamente crítico em
relação à facção pró-Lula e falou com ironia em relação a algumas das divisões
e contradições internas do partido.”
Para o cientista político e historiador
Moniz Bandeira, os alarmes dispararam há muito tempo. “Essas manifestações que
começaram no ano passado e antes da Copa não foram espontâneas. Foram
preparadas antecipadamente, com elementos treinados, agitadores treinados”, diz
ele, que em “A Segunda Guerra Fria” (Civilização Brasileira, 2013), descreve em
detalhes o papel de certas ONGs e think-tanks nas chamadas revoluções coloridas
pelo mundo. “O que é necessário no Brasil é que o governo faça como Putin:
obrigue o registro de todas as ONGs, o registro do dinheiro que recebem, de
onde recebem e como e onde aplicam.”
Moniz aponta como interesses
norte-americanos a prevalência do dólar como moeda global – segundo ele, ameaçada
pelo BRICS – e a inexistência de potências no continente. “É isto que os
Estados Unidos não querem: que o Brasil tenha submarino nuclear, eles não
querem uma potência na América do Sul – ainda mais ligada à China e à Rússia. E
há um detalhe que o brasileiro não sabe: há uma luta pela moeda de reserva
internacional. Porque o fato de que os EUA detém o direito de emitir o dólar o
quanto queiram e ser o dólar a moeda internacional; é aí que repousa a
hegemonia dos EUA. E o que a China e Putin querem acabar é com isso – daí a
criação do modelo dos BRICS.”
—
[1] organização que possibilita doações
anônimas para a “causa da liberdade”, criada pela Donors Capital Fund,
considerada no relatório Fear, Inc uma das 10 maiores organizações
contribuintes para o ódio contra islâmicos nos EUA)
[2] Em 2014 a fundação doou 25 mil
dólares (cerca de 90,5 mil reais) à Atlas.
[3] A Koch Industries é uma empresa ligada
ao setor do petróleo. Como Soros, os irmãos Koch são famosos por financiar
instituições e revoluções coloridas pelo mundo.
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