quarta-feira, 5 de dezembro de 2018



(Questão fiscal é cortina de fumaça. Objetivo da “reforma” de Bolsonaro é transformar direitos em mercadoria oferecida nas prateleiras do supermercado das finanças. Mídia aplaude)
Por Paulo Kliass:
Passado pouco mais de um mês desde a confirmação da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, pode-se perceber a nítida consolidação de uma linha editorial bastante simpática e favorável ao novo governo. Os grandes meios de comunicação estão totalmente alinhados com a equipe do capitão e fazem questão de expressar tal entusiasmo a cada dia.
É bem verdade que ainda são encontradas algumas lamentações, aqui e acolá, relativas a algumas das muitas trapalhadas que vêm sendo cometidas por integrantes do futuro esquadrão e mesmo quando patrocinadas pelo chefe da equipe e seus familiares. Os exemplos são inúmeros. Mas os que mais chamam a atenção desses analistas relacionam-se às declarações comprometedoras de nossa diplomacia e relações comerciais, como é o caso do apoio à mudança da embaixada brasileira para Jerusalém ou ao rebaixamento de prioridade a ser concedida ao Mercosul.
Por outro lado, os comentaristas favoráveis ao establishment tentam justificar as inabilidades cometidas na área ambiental e de sustentabilidade do futuro governo. Argumentam que se trata de intenções que serão vencidas, em futuro próximo, graças ao pragmatismo da política e à força dos interesses econômicos. Bolsonaro considera que esse debate a respeito de aquecimento global não passa de influência nefasta de um certo “marxismo cultural”. O futuro presidente já deixou claro em inúmeras oportunidades que não pretende manter as políticas de combate ao desmatamento ou de desrespeito às terras indígenas. Mas, ao que tudo indica, está sendo aconselhado a recuar de sua esdrúxula proposta inicial de fundir o Ministério do Meio Ambiente à pasta da Agricultura.
Guedes: o eficiente da vez.

De forma geral, o gancho encontrado pelos articulistas vinculados ao interesse do financismo relaciona-se à agenda econômica. Nesse campo estão quase todos de acordo com as diretrizes gerais traçadas pelo futuro superministro Paulo Guedes. Essa conduta de apoio incondicional à equipe de Bolsonaro opera como se houvessem perdoado todas as posições e declarações do capitão a respeito da tortura, da apologia da ditadura militar, dos direitos das minorias, da pena de morte, da liberação do porte de arma, entre tantas outras manifestações públicas comprometedoras de qualquer limite razoável da ordem democrática e civilizacional.
E tudo se passa como se houvesse um retorno no túnel do tempo, para o segundo mandato da Presidenta Dilma Roussef. Naquele período, dentre as inúmeras armações para justificar a necessidade do golpeachment, as páginas dos jornais e os programas de TV nos empanturravam de notícias e opiniões dando conta das supostas trapalhadas fiscais e da incompetência da equipe responsável pela economia à época. E aí veio o famoso mantra de que “bastava” tirar a legítima ocupante do Palácio e convencer Michel Temer a trazer um time de economistas sérios e responsáveis. A solução da crise e a retomada do crescimento seriam favas contadas.
Porém, todos sabemos qual foi o final dessa aventura criminosa e irresponsável. A chegada da duplinha dinâmica dos banqueiros Meirelles& Goldfajn à Esplanada só fez aprofundar a política do austericídio, jogando o Brasil na maior recessão de toda a sua História. Idolatrados pela grande imprensa por seu tão cantado perfil “técnico e eficiente”, eles conseguiram ajudar nessa impressionante proeza. Em poucos meses transformaram o governo Temer naquele de mais baixo índice de popularidade de todos os tempos.
Previdência não resolve o problema fiscal.
No entanto, o capital tem pressa e não se incomoda muito com esses rituais de lealdade e demais ritos da liturgia da seara da política. Seus interesses e sua lógica de operação são de natureza distinta. Mais do que nunca, agora vale a máxima do rei morto, rei posto. E o que temos para o jantar é um economista de perfil conservador e monetarista, bastante alinhado com o pensamento hegemônico no sistema financeiro, que está designado como responsável pelo conjunto das medidas e posições do futuro na área da economia.
Ocorre que, apesar de todos os sinais preocupantes e os temores justificados em sentido contrário, ainda estamos operando num quadro em que a ordem democrática e institucional depende do Congresso Nacional e de algum grau de respeito à Constituição. E isso significa que boa parte das medidas previstas por Paulo Guedes para “arrumar a casa” carecem de aprovação pelas duas casas do poder legislativo. É bem verdade que o início do mandato presidencial é sempre facilitado pela chegada de um governo novo, embalado pela maioria de votos obtidos em eleição recente. Mas nada deverá ser assim tão fácil como supõem alguns.
A profundidade da crise econômica e a gravidade da crise social contribuem para acelerar o relógio das exigências de uma forma ampla. A própria campanha de Bolsonaro foi exitosa em interpretar esse sentimento generalizado de desalento e desamparo que aflige a grande maioria da população. Essa foi uma das razões que contribuíram para a dinâmica eleitoral, que culminou na escolha de uma espécie de salvador da pátria. Isso permite intuir que a cobrança popular deverá ser menos condescendente quanto ao cumprimento de tais expectativas.


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