(Questão fiscal é cortina de
fumaça. Objetivo da “reforma” de Bolsonaro é transformar direitos em mercadoria
oferecida nas prateleiras do supermercado das finanças. Mídia aplaude)
Por Paulo
Kliass:
Passado pouco mais de um mês desde a confirmação da
vitória eleitoral de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais, pode-se
perceber a nítida consolidação de uma linha editorial bastante simpática e
favorável ao novo governo. Os grandes meios de comunicação estão totalmente
alinhados com a equipe do capitão e fazem questão de expressar tal entusiasmo a
cada dia.
É bem verdade que ainda são encontradas algumas
lamentações, aqui e acolá, relativas a algumas das muitas trapalhadas que vêm
sendo cometidas por integrantes do futuro esquadrão e mesmo quando patrocinadas
pelo chefe da equipe e seus familiares. Os exemplos são inúmeros. Mas os que
mais chamam a atenção desses analistas relacionam-se às declarações
comprometedoras de nossa diplomacia e relações comerciais, como é o caso do
apoio à mudança da embaixada brasileira para Jerusalém ou ao rebaixamento de
prioridade a ser concedida ao Mercosul.
Por outro lado, os comentaristas favoráveis ao
establishment tentam justificar as inabilidades cometidas na área ambiental e
de sustentabilidade do futuro governo. Argumentam que se trata de intenções que
serão vencidas, em futuro próximo, graças ao pragmatismo da política e à força
dos interesses econômicos. Bolsonaro considera que esse debate a respeito de
aquecimento global não passa de influência nefasta de um certo “marxismo
cultural”. O futuro presidente já deixou claro em inúmeras oportunidades que
não pretende manter as políticas de combate ao desmatamento ou de desrespeito
às terras indígenas. Mas, ao que tudo indica, está sendo aconselhado a recuar
de sua esdrúxula proposta inicial de fundir o Ministério do Meio Ambiente à
pasta da Agricultura.
Guedes: o
eficiente da vez.
De forma geral, o gancho encontrado pelos
articulistas vinculados ao interesse do financismo relaciona-se à agenda
econômica. Nesse campo estão quase todos de acordo com as diretrizes gerais
traçadas pelo futuro superministro Paulo Guedes. Essa conduta de apoio
incondicional à equipe de Bolsonaro opera como se houvessem perdoado todas as posições e declarações do
capitão a respeito da tortura, da apologia da ditadura militar, dos direitos
das minorias, da pena de morte, da liberação do porte de arma, entre tantas
outras manifestações públicas comprometedoras de qualquer limite razoável da
ordem democrática e civilizacional.
E tudo se passa como se houvesse um retorno no
túnel do tempo, para o segundo mandato da Presidenta Dilma Roussef. Naquele
período, dentre as inúmeras armações para justificar a necessidade do
golpeachment, as páginas dos jornais e os programas de TV nos empanturravam de
notícias e opiniões dando conta das supostas trapalhadas fiscais e da
incompetência da equipe responsável pela economia à época. E aí veio o famoso
mantra de que “bastava” tirar a legítima ocupante do Palácio e convencer Michel
Temer a trazer um time de economistas sérios e responsáveis. A solução da crise
e a retomada do crescimento seriam favas contadas.
Porém, todos sabemos qual foi o final dessa
aventura criminosa e irresponsável. A chegada da duplinha dinâmica dos
banqueiros Meirelles& Goldfajn à Esplanada só fez aprofundar a política do
austericídio, jogando o Brasil na maior recessão de toda a sua História.
Idolatrados pela grande imprensa por seu tão cantado perfil “técnico e
eficiente”, eles conseguiram ajudar nessa impressionante proeza. Em poucos
meses transformaram o governo Temer naquele de mais baixo índice de
popularidade de todos os tempos.
Previdência
não resolve o problema fiscal.
No entanto, o capital tem pressa e não se incomoda
muito com esses rituais de lealdade e demais ritos da liturgia da seara da
política. Seus interesses e sua lógica de operação são de natureza distinta.
Mais do que nunca, agora vale a máxima do rei morto, rei posto. E o que temos
para o jantar é um economista de perfil conservador e monetarista, bastante
alinhado com o pensamento hegemônico no sistema financeiro, que está designado
como responsável pelo conjunto das medidas e posições do futuro na área da
economia.
Ocorre que, apesar de todos os sinais preocupantes
e os temores justificados em sentido contrário, ainda estamos operando num
quadro em que a ordem democrática e institucional depende do Congresso Nacional
e de algum grau de respeito à Constituição. E isso significa que boa parte das
medidas previstas por Paulo Guedes para “arrumar a casa” carecem de aprovação
pelas duas casas do poder legislativo. É bem verdade que o início do mandato
presidencial é sempre facilitado pela chegada de um governo novo, embalado pela
maioria de votos obtidos em eleição recente. Mas nada deverá ser assim tão
fácil como supõem alguns.
A profundidade da crise econômica e a gravidade da
crise social contribuem para acelerar o relógio das exigências de uma forma
ampla. A própria campanha de Bolsonaro foi exitosa em interpretar esse
sentimento generalizado de desalento e desamparo que aflige a grande maioria da
população. Essa foi uma das razões que contribuíram para a dinâmica eleitoral,
que culminou na escolha de uma espécie de salvador da pátria. Isso permite
intuir que a cobrança popular deverá ser menos condescendente quanto ao cumprimento
de tais expectativas.
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