quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Equívocos sobre a natureza da Amazônia





Três grandes equívocos que estão presentes e bastantes destacados nos planos e projetos dos últimos 35 anos:

 -A Amazônia seria um macro-sistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua extensão;
 -A natureza em geral, e a floresta em especial, seria a expressão do primitivismo e do atraso regionais; os planos governamentais estimulam, sempre, sua substituição por atividades ditas "racionais", produtivas;
- A natureza amazônica seria resistente, superabundante, auto-recuperável e inesgotável.
Evidentemente, nenhum desses pressupostos tem fundamento. Somente no que concerne à biodiversidade dos seus sistemas florestais, a Amazônia conta, grosso modo, com dois grandes tipos de ecossistemas: as florestas de áreas inundáveis (com várzeas, igapós e mangais) e as florestas de terra firme (com florestas altas e densas, florestas baixas, florestas de encostas; campos naturais, savanas, cerrados e lavrados).
O modelo econômico posto em ação na região tem ignorado e menosprezado a diversidade dos inúmeros ecossistemas amazônicos. Na prática, a Amazônia brasileira tem sido considerada nos planos governamentais como um sistema natural homogêneo em seus quase cinco milhões de km2.
A maior riqueza da Amazônia — sua biodiversidade — tem sido, na prática, ignorada, questionada e combatida sistemática e implacavelmente pelas políticas públicas. Essas políticas estabeleceram uma oposição (que é, na verdade, um falso dilema) entre desenvolvimento e conservação ambiental. O desenvolvimento sustentável, como uma forma de desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das futuras gerações, não integra as políticas públicas como condição essencial. Quando aparece, está confinado e limitado a alguns programas específicos dos setores e órgãos ambientais.
Face a esses e a outros pressupostos equivocados sobre a natureza, as políticas voltadas para o planejamento regional, que ao longo dos últimos 35 anos estiveram a cargo dos organismos nacionais e regionais, criaram instrumentos e estímulos diversos à exploração da natureza aplicados, sem cuidado ou distinção alguma, a quaisquer dos ecossistemas existentes. Atividades econômicas tão diversas como a pecuária, a exploração madeireira, a mineração, a garimpagem e outras, que apresentam diferentes impactos sobre a natureza, vêm sendo desenvolvidas indiferentemente sobre áreas de florestas densas, nascentes e margens de rios, regiões de manguezais, nas planícies em encostas, em solos frágeis ou nos raros solos bem estruturados. E a maior parte dessas atividades tem produzido enorme e injustificável desperdício de recursos naturais.
Ao invés de considerar a natureza como um dom, uma aliada do desenvolvimento, as políticas públicas têm adotado uma estranha lógica de combate e agressão à natureza, estimulando nas últimas décadas a transformação da mais vasta, rica e exuberante floresta tropical do mundo em áridas pastagens, em áreas de plantação de grãos, etc., sem levar em conta que a Amazônia dispõe de extensos campos naturais e várzeas, que poderiam ser aproveitados economicamente, sem danos ambientais.
Nas últimas décadas, enormes massas vegetais, que incluem madeiras nobres, vêm sendo queimadas impiedosamente. De 1500 a 1970, ou seja, em 470 anos, apenas 2% de toda a floresta amazônica havia sido destruído; em apenas 30 anos (1970 a 2000), segundo o INPE, 14% foi devastado. Trata-se de um desastre sem precedentes contra o maior patrimônio natural do planeta Terra, contra a economia e a sobrevivência dos habitantes naturais — caboclos, ribeirinhos, índios e outros. E, pode-se mesmo dizer, contra o futuro da região e das novas gerações que precisarão dela para viver! A natureza não tem sido considerada como parceira e aliada para estabelecer um real desenvolvimento da região. Ao contrário disso, a floresta aparece nos planos e programas federais para a região nas últimas décadas ora como um obstáculo a ser vencido, ora como simples objeto a ser explorado, ora como um almoxarifado inesgotável de riquezas — que, portanto, não se precisa ser reposto.
O modelo tem se apoiado, também, na crença (equivocada) de que os ecossistemas amazônicos são ricos e, portanto, resistentes aos impactos ambientais e naturalmente auto-regeneráveis. Os planos, programas e projetos econômicos, desde o fim dos anos 1960 aos dias atuais, em sua maioria, pressupõem uma inesgotabilidade e uma alta resistência da natureza amazônica. Governantes, políticos, técnicos e empresários em geral não compreenderam ainda ou simplesmente não deram importância ao fato de que os ecossistemas amazônicos são frágeis e que sobrevivem à custa de um equilíbrio muito delicado dos três elementos-chave, que se articulam simultaneamente: chuva-mata - solo.
Seus ecossistemas são ricos mas, paradoxalmente, são também extremamente frágeis. Os solos amazônicos — diferentemente dos solos de outras regiões do mundo onde as florestas foram devastadas sem provocar grandes danos ambientais — são solos rasos, mal estruturados, pobres, em sua maioria; e sobrevivem à custa dos nutrientes que recebem da floresta.
Na Amazônia, não se pode desmatar sem replantar, por várias razões combinadas, todas elas igualmente importantes. Em primeiro lugar, a copa das árvores abranda o impacto das fortes chuvas que caem durante quase seis meses por ano na região; os solos descobertos não resistem às intensas e constantes chuvas, que os lavam e os deixam surpreendentemente pobres. Segundo, porque os solos vivem da biomassa oriunda das árvores e que apodrece sobre eles, formando uma importante camada de nutrientes; por sua vez, os solos são alimentados, também, pelos nutrientes que escorrem pelos galhos e troncos junto com as águas. Finalmente, porque o regime de chuvas amazônico depende da evaporação da floresta, sem o que o ecossistema se desequilibra, desorganiza-se, empobrece rapidamente e entra em crise (3).
Assim, a Amazônia constitui-se num conjunto de ecossistemas muito delicados, formados pelas unidades chuva – floresta – solo - floresta-chuva, etc., no qual cada um dos três é indispensável e insubstituível. Diferentemente de outros solos no mundo, em que as florestas se sustentam graças à fertilidade desses solos, nos espaços amazônicos a situação difere radicalmente: com poucas exceções, é a rica floresta que sustenta um solo que é, quase sempre pobre. Retirando-se a cobertura florestal, perde-se não apenas a floresta, mas o solo e a fauna nele existentes.
Com muita freqüência, a natureza amazônica, e em especial sua floresta, tem sido considerada como expressão do primitivismo e do atraso regionais. Ou ainda, como simples material, biomassa barata, apropriável a custo zero por investidores, que não se deram ao trabalho nem arcaram com os custos de plantá-la. Planos, programas e projetos (e especialmente os Planos de Desenvolvimento da Amazônia — PDAs — formulados pelo Governo Federal para a região: PDA-I, II, III da Nova República e outros que os seguiram), sugerem claramente que a mata nativa deve ser substituída por empreendimentos mais "modernos", mais "racionais", mais "econômicos".
Fonte: www.scielo.br    www.portalsaofrancisco.com.br  
Link: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/meio-ambiente-amazonia/historia-da-amazonia.php


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.