Maternidade precoce e violência contra meninas e adolescentes, artigo de
José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em março 19, 2014 por Redação
“A sociedade culpa muito
frequentemente apenas a garota por ficar grávida, mas a realidade é que a
gravidez na adolescência muitas vezes não é uma opção, mas sim o resultado de
ausência de escolhas e de circunstâncias que fogem do controle das meninas. ” Babatunde Osotimehin, diretor-executivo do UNFPA
[EcoDebate] A maternidade precoce era
uma realidade frequente na fase pré-transição demográfica, quando a sociedade
era rural, os níveis de mortalidade infantil eram altos, havia reduzidas
chances educacionais para os jovens e o mercado de trabalho não exigia
requisitos mínimos de qualificação profissional.
Mas com o processo de
modernização e o avanço da inclusão social, o início da maternidade tende a ser
postergado quando as adolescentes têm a oportunidade de permanecer na escola e
podem contar com boas ofertas de emprego após terminar os cursos oferecidos
pelo sistema educacional. A conquista da autonomia profissional é fundamental
para que a decisão de casar e/ou ter filhos seja feita de maneira livre e
consciente.
Todavia, 7,3 milhões
de adolescentes, abaixo de 18 anos, dão à luz por ano nos países em desenvolvimento
(incluindo o Brasil), de acordo com Relatório divulgado pelo Fundo de População
das Nações Unidas (UNFPA). Segundo o relatório, desse total, 2 milhões de
nascimentos são de mães com menos de 15 anos. A média, segundo a ONU, é de 20
mil adolescentes dando à luz diariamente. Ao todo, há 580 milhões de mulheres
adolescentes no mundo.
O documento intitulado
“Maternidade Precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência”
aborda, entre outras questões, “as implicações da gravidez na adolescência e o
que pode ser feito para garantir uma transição saudável e segura para a vida
adulta”. As principais causas apontadas para a gravidez precoce são: casamentos
muito cedo, pobreza, obstáculos a direitos humanos, violência sexual,
restrições a políticas de métodos anticoncepcionais, falta de acesso a educação
e serviços de saúde ligados ao tema dos direitos sexuais e reprodutivos.
Cerca de 70 mil
garotas morrem todos os anos de complicações da gravidez e ocorrem anualmente
3,2 milhões de abortos inseguros nos países em desenvolvimento, representando
98% do total em todo o mundo. A ONU ressalta que, na maioria desses países, a
prática do aborto é considerada ilegal. Ao todo, 1,4 milhão deles ocorrem na
África, 1,1 milhão na Ásia e 670 mil nos países da América Latina e Caribe.
O documento do UNFPA
diz que se as adolescentes brasileiras adiassem a gravidez para depois dos 20
anos, a produtividade do país poderia aumentar em US$ 3,5 bilhões (algo em
torno de R$ 8 bilhões). Os custos da maternidade precoce não são apenas
macroeconômicos, pois muitos sonhos e perspectivas individuais são postergados
ou definitivamente interrompidos. A maior parte das gravidezes precoces ocorrem
entre populações vulneráveis e muitas são fruto da violência sexual ou da
exclusão social.
No Brasil, de acordo
com o Ministério da Saúde, os casos de gravidez entre mulheres com menos de 20
anos diminuíram em todo o território nacional de 2000 a 2012. No início do
atual século, cerca de 750 mil adolescentes foram mães no país. Em 2012, o
número caiu para 536 mil.
Conforme a
coordenadora da Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde (MS),
Thereza de Lamare, o MS busca facilitar e ampliar o acesso a métodos
contraceptivos na rede pública e nas drogarias conveniadas do Programa Aqui Tem
Farmácia Popular. Atualmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as mulheres em
idade fértil podem escolher métodos contraceptivos como: preservativos,
anticoncepcional injetável mensal e trimestral, minipílula, pílula combinada,
diafragma e dispositivo intrauterino (DIU). Nos últimos cinco anos o SUS
distribuiu, em média, 500 milhões de unidades de preservativos masculinos.
Outra questão
destacada pela coordenadora é que parte das jovens mães brasileiras sofreu
algum tipo de abuso. O governo planeja lançar uma cartilha de estratégias para
combater a violência contra crianças e adolescentes. Para difundir a
informação, também fora das escolas, os jovens podem acessar pela internet as
cadernetas de Saúde de Adolescentes (masculina e feminina) e outros materiais
voltados para educação sexual. Eles podem também, no mesmo espaço, tirar
dúvidas online.
O fato é que a
gravidez não desejada é uma realidade no Brasil e no mundo. Isto reflete a
falta de direitos efetivos por parte das meninas e adolescentes e o não
cumprimento da meta 5b dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que
trata da necessidade de universalização dos serviços de saúde sexual e
reprodutiva. Mudar esta situação é uma tarefa urgente.
Também a pesquisa
coordenada pela professora Dora Mariela Salcedo Barrientos, do curso de
Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP feita
junto a 61 adolescentes grávidas cadastradas no Hospital Universitário (HU)
confirmou que 60% das mulheres que já engravidaram foram vítimas de algum tipo
de violência doméstica por parceiro íntimo no decorrer da vida conjugal, e 20%
destas sofreram violência psicológica e física grave durante a gravidez como,
por exemplo, socos, queimaduras e ameaças envolvendo o uso de arma. Segundo Araujo
(2013):
“A violência
intrafamiliar constitui um grave problema de saúde pública, uma vez que afeta
profundamente a integridade física e psicológica das vítimas. O estudo aponta
diversos sintomas e transtornos que podem aparecer em decorrência da violência
intrafamiliar, por exemplo: doenças no aparelho digestivo e circulatório, dores
e lesões musculares, desordens menstruais, ansiedade, depressão, suicídio, uso
de entorpecentes, transtorno de estresse pós-traumático, lesões físicas,
privações, entre outros. No que se refere à saúde reprodutiva, a violência
contra a mulher tem sido associada a gestações indesejadas, dor pélvica
crônica, doença inflamatória pélvica e maior incidência de doenças sexualmente
transmissíveis.
O estudo ainda
levantou o perfil das adolescentes entrevistadas: idade média de 17 anos; a
maioria das jovens eram brancas ou pardas (95%), solteiras (90,1%); com nível
de escolaridade adequado para a idade (54,1% – nível médio); procedentes do
Estado de São Paulo; vivendo em moradias próprias (62,5%), com acesso a
serviços básicos como água, luz, esgoto e coleta de lixo. A prevalência de
violência entre as jovens que tinham condição precária na moradia foi maior do
que entre aquelas com residência salubre. Para grande parte das famílias das
adolescentes entrevistadas (79,6%), a renda per capita média foi de R$ 474,95,
variando entre R$ 66,67 e R$ 1.550,00”.
Segundo o UNFPA: “Para
romper esse ciclo e assegurar que adolescentes e jovens alcancem seu pleno
potencial, é preciso:
- Investir em políticas,
programas e ações que promovam os direitos, a autonomia e o empoderamento de
adolescentes e jovens, em especial meninas, em relação ao exercício de sua
sexualidade e de sua vida reprodutiva, para que possam tomar decisões
voluntárias, sem coerção e sem discriminação;
- Garantir o acesso de
adolescentes e jovens à informação correta e em linguagem adequada sobre os
seus direitos, incluindo o direito à saúde sexual e reprodutiva, bem como o
acesso à educação integral em sexualidade;
- Assegurar o acesso
às ações e aos insumos de saúde sexual e reprodutiva, tais como preservativos e
contraceptivos, para que gravidezes não planejadas sejam evitadas;
- Envolver as
famílias, comunidades, serviços e profissionais de saúde na resposta adequada
às necessidades e demandas de adolescentes e jovens, incluindo aquelas
relacionadas à saúde sexual e reprodutiva.
- Garantir a
participação de adolescentes e jovens nos processos de tomada de decisões, como
condição fundamental para os avanços democráticos e para a realização de seus
direitos”.
Referências:
UNFPA. Maternidade
Precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência, 2013
http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/669-gravidez-na-adolescencia-e-tema-do-relatorio-anual-do-unfpa-2
http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/669-gravidez-na-adolescencia-e-tema-do-relatorio-anual-do-unfpa-2
UNFPA. Maternidad en
la niñez: Enfrentar el reto del embarazo en adolescentes. Estado de la
población mundial, 2013, New York, 2013 http://www.unfpa.org.br/Arquivos/SP-SWOP2013.pdf
ALVES, JED.
Fecundidade, Cidadania e Políticas de Proteção Social e Saúde Reprodutiva no
Brasil,
Seminário
Internacional “Saúde, Adolescência e Juventude: promovendo a equidade e
construindo
habilidades para a vida”, Ministério da Saúde e UNFPA, Brasília, 17/11/2013
habilidades para a vida”, Ministério da Saúde e UNFPA, Brasília, 17/11/2013
Gabriel Almeida
Araujo. Adolescentes grávidas são vítimas frequentes de violência, USP,
12/12/2013
http://www.usp.br/agen/?p=163002
http://www.usp.br/agen/?p=163002
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal
EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas
– ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 19/03/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.