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[EcoDebate]
A ideia da realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil foi apoiada pelos
políticos e pelas grandes empresas – de olho nos grandes negócios – e pelas
mídias que adoram os retornos econômicos do espetáculo futebolístico. Mas
depois da “Copa das Mobilizações”, de 2013, o uso do futebol como “circo
romano” foi colocado em xeque e os jogos tem funcionado como catalisadores das
manifestações populares.
Na verdade, no Brasil, o futebol já foi uma brincadeira ingênua
e democrática. Os meninos aprendiam, e ainda aprendem, a jogar futebol desde
muito cedo (as meninas nem tanto). O futebol brasileiro, depois da vitória na
copa de 1958, ajudou “os tupiniquins” a vencer o “complexo de vira-lata”, como
dizia Nelson Rodrigues. Os brasileiros mostram orgulho de ter o melhor futebol
do mundo. Nossos jogadores são conhecidos e respeitados em todo o planeta. Em
pelo menos uma coisa nós somos reconhecidamente bons, para o delírio nacional.
Além disto, o Brasil consegue exportar jogadores e trazer divisas estrangeiras
que ajudam a fechar as contas cambiais do país (isto quando não há evasão de
divisas e valores menores declarados na venda dos craques).
Portanto, o futebol não pode ser considerado apenas como uma
brincadeira democrática e um jogo inocente que reúne crianças saudáveis e
felizes em uma confraternização esportiva despretensiosa e sem fins lucrativos.
O futebol se tornou um dos elementos-chave da sociedade do espetáculo, sendo um
dos eventos de maior audiência televisiva do mundo.
O conceito de “sociedade do espetáculo” tem como base os
trabalhos do francês Guy Debord (1931-1994) e sua crítica radical ao processo
que transforma todo e qualquer tipo de imagem e induz o ser humano à
passividade e à aceitação dos valores preestabelecidos pela sociedade de
consumo, tornando mais fácil vivificar os fatos no reino das imagens do que no
plano da própria realidade: “toda a vida das sociedades nas quais reinam as
modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.
A sociedade do espetáculo manipula tão bem as imagens que se
torna a própria uma realidade, mesmo que virtual para a maioria das pessoas,
que passam a viver num mundo movido pelas aparências e pelo consumo permanente
de fatos, notícias, produtos e mercadorias. A FIFA se tornou um agente deste
processo e já é comparada com o FMI em seus piores momentos. Segundo Marcos de
Azambuja: “Em estranha reviravolta, entidade que deveria se dedicar a esporte
converteu-se em monstro comercial, pronto a impor obrigações aos povos”.
Por exemplo, as grandes multinacionais da cerveja há muito
descobriram os bons lucros derivados dos investimentos no futebol. Com
propagandas, geralmente sexistas, contratam os principais técnicos e jogadores
para defender “as cores” da cerveja de ocasião e promovem o culto da “cerveja,
churrasco e futebol”, que as estatísticas mostram ser uma combinação
extremamente danosa para o meio ambiente, assim como para o aumento das taxas
de mortalidade masculina (quer seja por homicídios ou acidentes de trânsito).
A ideia de que o futebol promove a ascensão social ascendente só
é realidade para o futebol masculino e para uma fração minúscula dos meninos
que se envolvem profissionalmente com o esporte espetáculo. A maioria dos
rapazes e suas famílias ficam apenas no sonho do enriquecimento e da fama.
Outros até chegam perto, mas alguns acabam em tragédia, como no caso do
ex-goleiro Bruno do Flamengo.
Portanto, não é de se estranhar a declaração do sociólogo
Immanuel Wallertein de que “o futebol é o ópio do povo”. Fora e dentro de campo
os símbolos proliferam. O cabelo do craque do time, as camisas oficiais (com
suas propagandas incorporadas) e a fidelidade a um time acima de outras
fidelidades éticas ajudam a tornar o futebol um instrumento de diversão,
manipulação e auto-engano das massas. Em geral, em vez de promover o
amadurecimento dos jovens, provoca a infantilização dos adultos.
Mas a situação está mudando e o povo já não aceita pacificamente
a manipulação e a exploração da imagem da seleção, pois as multidões estão indo
para as ruas exigir qualidade na saúde e na educação. Enquanto isso, existem
estádios inacabados e as obras de mobilidade urbana não avançaram nas cidades
brasileiras, enquanto os trens do Rio de Janeiro criam um pesadelo permanente
para a população dos subúrbios cariocas.
Na primeira manifestação contra a realização da Copa do Mundo no
Brasil em 2014, cerca de 1,5 mil manifestantes liderados pelo Bloco de Lutas
pelo Transporte Público foram as ruas de Porto Alegre no dia 23/01 para
protestar contra a corrupção, a falta de “padrão Fifa” na educação, saúde,
transporte, etc. No dia 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, a
manifestação contra a Copa do Mundo começou pacífica na Avenida Paulista e
chegou a reunir 2,5 mil pessoas, mas terminou em violência. Pelo menos outras
13 capitais tiveram protestos neste mesmo dia, onde predominou a seguinte
palavra de ordem: “Se o povo se unir, essa Copa vai cair”.
Num quadro de redução do crescimento econômico e agravamento dos
problemas sociais, há grande possibilidade de haver sinergia entre as
manifestações de rua e os rolezinhos nos shoppings. Porém, ninguém sabe com
precisão o que vai acontecer, embora todo mundo queira saber como será o
espetáculo da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Façam suas apostas!
Referências:
Newton Silva, para o Humor Político
Newton Silva, para o Humor Político
José Eustáquio
Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do
mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de
Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter
pessoal. E-mail:jed_alves@yahoo.com.br
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