Uma projeção linear da transição religiosa no Brasil: 1991-2040. Artigo
de José Eustáquio Diniz Alves. https://www.ecodebate.com.br/
[EcoDebate] O Brasil está passando por uma grande
transformação na sua moldura religiosa. Os católicos continuam como o grupo
majoritário, mas perdem espaço em termos absoluto e relativo. Os evangélicos,
em sua multiplicidade e diversidade, é o grupo que mais cresce. Mas também tem
aumentado as demais denominações não cristãs e o número de pessoas que se
declaram sem religião. Isto quer dizer que o Brasil está passando por uma
mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos (católicos e evangélicos),
ao mesmo tempo em que aumenta a pluralidade religiosa, pois cresce e
diversifica a proporção das filiações não derivadas do cristianismo. Este
processo ocorre em todo o território nacional, mas em ritmos diferentes nas
escalas espacial e social. Porém, uma coisa é clara: pluralidade gera
pluralidade, pois quanto mais diversificadas são as opções religiosas
(incluindo os sem religião) mais rápido é a diminuição da proporção de
católicos.
Os católicos agregavam quase 100% dos brasileiros antes da
Proclamação da República, em 1889. Esta proporção caiu ligeiramente nas oito
décadas seguintes, mas os católicos ainda eram ampla maioria em 1970, quanto
representavam 91,8% da população. A partir daí a queda se acelerou e chegou a
83% em 1991. A diminuição foi de 8,8% em 21 anos. Mas o pior viria entre 1991 e
2010, pois a perda foi de 18,4% em 19 anos. Isto representou quase um por cento
de perda ao ano (-0,97%). Os católicos são doadores universais. Para cada 100
pessoas que deixaram de ser católicos, 72 foram para as filiações evangélicas,
18 para os sem religião e 10 para as outras religiões não cristãs.
Se a tendência da transição
religiosa ocorrida no período 1991 a 2010 continuar, pode-se fazer uma projeção
linear até 2040, com os católicos perdendo 0,97% aa, os evangélicos ganhando
0,69% aa, os sem religião ganhando 0,17% aa e as outras denominações aumentando
0,1% aa. O resultado pode ser visto no gráfico 1, quando em 2036, os
evangélicos (em sua multiplicidade), com 40,3%, ultrapassarão os católicos, com
39,4%. Em 2040, os católicos teriam 35,5% e os evangélicos teriam 43%. Os
cristãos (católicos + evangélicos) passariam de 92% em 1991, para 86,8% em 2010
e cairiam para 78,6% em 2040. Portanto, este quadro caracteriza bem a transição
religiosa, com mudança de hegemonia entre os dois maiores grupos e aumento da
pluralidade (queda da percentagem de cristãos).
Mas há
quem discorde deste cenário. O sociólogo Paul Freston, considera que a queda
dos católicos tem um piso e a subida dos evangélicos tem um teto. Ele diz:
“Pelas tendências atuais, o futuro previsível da religião no Brasil vai
depender de três fatores. Em primeiro lugar, o catolicismo continua a declinar
(perde cerca de 1% da população anualmente), mas haverá um limite nesse
declínio. Há um núcleo sólido de católicos praticantes, pelo menos 25% da
população, que dificilmente vai ser erodido. Além disso, se a Igreja Católica
conseguir se organizar melhor e fazer frente à concorrência, é improvável que
fique abaixo de 40%. Em segundo lugar, atualmente, de cada duas pessoas que
deixam de se considerar católicas, apenas uma passa a ser evangélica. A outra
adere a uma outra religião, ou se torna ‘sem religião’. Em terceiro lugar, o
resto do campo religioso está muito pulverizado, e não há sinais de uma
‘terceira força’ religiosa. O resultado de tudo isso é que, “a continuarem as
tendências atuais”, nunca haverá uma maioria evangélica no Brasil. O mais
provável é que a população evangélica não passe de uns 35%, na melhor das
hipóteses. Teríamos, então, o seguinte cenário: 40% de católicos, 35% de
evangélicos, e 25% de outras religiões e de pessoas ‘sem religião’” (2009, p.
2).
Porém,
esta hipótese de haver um limite ao processo de transição religiosa não
apresenta argumentos convincentes e não se sustenta nas evidências empíricas.
Como mostram Alves, Cavenaghi e Barros (2014): “A cidade de Seropédica, é um
exemplo de rápida mudança religiosa. Até o início dos anos de 1990, Seropédica
fazia parte do município de Itaguaí. No censo demográfico de 1991, Itaguaí
tinha 55% de pessoas que se declaravam católicas e 21% de evangélicos. Em
Seropédica, houve quase um empate no ano 2000, com os evangélicos atingindo
35,9% e os católicos 38,8%. As outras religiões perfaziam um percentual de 5,3%
e os sem religião 20,1%. Na primeira década do século XXI a mudança continuou
de maneira acelerada entre a população total do município, com os católicos
caindo para 27,4% em 2010, os evangélicos subindo para 44%, as outras religiões
para 6,3% e os sem religião subindo para 22,3%. Portanto, entre 1991 e 2010, os
católicos de Seropédica caíram de mais de 50% para cerca de um quarto (25%).
Foi uma perda muito acelerada e parece que não vai ser interrompida
imediatamente, pois os católicos estão mais representados entre os idosos e os
evangélicos mais representados entre as mulheres em período reprodutivo e as
novas gerações. Independentemente da migração inter-religiosa, haverá mudança
apenas por conta da inércia demográfica e da sucessão de gerações” (p. 1078).
Em
outras cidades fluminenses, como Japeri e Queimados, os católicos já estavam
abaixo de 30% e os evangélicos acima de 40%. Nas grandes cidades, como Nova
Iguaçu e Duque de Caxias, os evangélicos já estão acimo dos 35% e ultrapassaram
os católicos. Em Paty do Alferes os evangélicos passaram de 33% em 2000 para
46,2% em 2010. Assim, independentemente do trânsito religioso, os evangélicos
devem continuar crescendo por conta de estarem mais representados entre as
mulheres e os jovens, tornando a transição religiosa uma realidade.
O IBGE
não fez nenhuma pesquisa sobre religião na atual década. Mas existem outras
pesquisas que apontam para a continuidade da transição religiosa. Pesquisa
encomendada à Universidade Municipal de São Caetano pela Diocese de Santo André
para diagnosticar a transformação do Grande ABC e sua população desde os anos
1960 até agora, apontou que a Igreja Católica vem gradativamente perdendo
fiéis. Cinquenta e seis anos atrás, dos 499.398 moradores da região, 90,7% eram
católicos. Em 2010, das 2,5 milhões de pessoas, 56,5% se declararam seguidoras
do catolicismo e, neste ano, elas representam 46,8% em universo de 2,7 milhões
de habitantes. Portanto, os católicos perderam quase 10 pontos em apenas 6
anos. O que mostra que a transição está se acelerando e não se reduzindo
(Oliveira, 07/12/2016).
Pesquisa
Datafolha, divulgada no dia de Natal (25/12/2016), mostra que a percentagem de
católicos caiu de 63% em 2010 para 50% em 2016, os evangélicos subiram de 24%
para 29%, os sem religião de 6% para 14% e as outras denominações ficaram
constante em 7%, no mesmo período, segundo a Datafolha. Entre 1994 e 2016 a
perda dos católicos tem sido de 1,14% ao ano, superior ao que aponta os censos
demográficos do IBGE (em outro artigo vamos tratar das pesquisas Datafolha
sobre religião).
Portanto,
as indicações são de que a transição religiosa está se aprofundando e se
acelerando no Brasil, assim como ocorre em outros países da América Latina.
David Stoll, em livro bastante conhecido, já havia registrado, em 1990, que a
América Latina estava se tornando protestante. De fato, países como Guatemala e
Honduras já estão bastante avançados na transição religiosa, enquanto o Uruguai
é o país menos católico e menos religioso da região.
Evidentemente,
ninguém sabe, com certeza, como será o dia de amanhã. Mas as indicações atuais
apontam para um Brasil, no futuro, menos católico, mais evangélico e com maior
pluralidade religiosa (inclusive com maior presença das pessoas que se declaram
sem religião). Muito provavelmente, o país vai superar os 500 anos de
predomínio católico e terá uma nova arquitetura religiosa no século XXI.
Referências:
ALVES, J. E. D; NOVELLINO, M. S. F. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de
Janeiro: 1991-2000. Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero.
In: Patarra, Neide; Ajara, Cesar; Souto, Jane. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um
olhar sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1, p. 275-308
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo
de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo
Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36,
out./dez. 2014, pp. 1055-1085
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no brasil
entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia.
REVER (PUC-SP), v. 12, p. 145-174, 2012.
ALVES, JED. A vitória da teologia da prosperidade,
Folha de São Paulo, 06/07/2012
ALVES, JED. Os Papas, os pobres e a perda de hegemonia dos
católicos no Brasil, Ecodebate, RJ, 31/07/2013
ALVES, JED. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral,
gênero e ecologia profunda”, Belo Horizonte, Revista Horizonte,
Dossiê: Relações de Gênero e Religião, Puc-MG, vol. 13, no. 39, Jul./Set. 2015
ALVES, JED. A transição religiosa no Brasil: 1872-2050.
Ecodebate, RJ, 25/07/2016
STOLL, David. Is Latin America turning protestant? The
politics of Evangelical Growth. University of California Press, 1990
FRESTON, Paul. Presente e futuro da igreja evangélica no
Brasil (parte 2). Ultimato Online, Edição 316, Janeiro-Fevereiro
2009
OLIVEIRA, Vanessa. Número de católicos cai quase pela metade no
Grande ABC, Diário do Grande ABC, 7 de dezembro de 2016
José
Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território
e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas –
ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
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