[EcoDebate] A contundente violação do princípio constitucional da moralidade administrativa (CF, art. 37, cabeça) e da igualdade (art. 5º, I) e da livre concorrência (170, IV), estremeceram nossa vida política no crepúsculo deste ano, para arrematá-lo. Vejamos:
1. Os serviços de telefonia móvel no
Brasil foram outorgados, em seu início, pela União a empresas privadas, por
meio de concessão.
2. No direito administrativo, a
principal distinção entre concessão e autorização está no caráter contratual da
concessão e de ato unilateral da Administração, não oneroso, na autorização;
3. Em síntese jurídica doutrinária,
“concedem-se serviços públicos, autorizam-se serviços privados”.
4. O término dos contratos de
concessão dos serviços públicos de telecomunicações se deu em 2015, momento em
que todo o patrimônio de infraestrutura utilizado pelas concessionárias, de
propriedade da União, é dizer, do povo brasileiro, a ela deveria ser revertido
(torres, dutos, condutos, postes, servidões, prédios, terrenos, bens móveis
etc).
5. No entanto, o prazo foi adiado por
duas vezes, estendendo-se até o fim de 2017(Jornal Valor, 26/12, B5) o que, por
si, já representou chapada inconstitucionalidade (STF RE 422591, Relator
Ministro Dias Toffoli). Motivo: ao final do contrato, este se extingue,
impondo-se aquela devolução e nova licitação em novo concurso de empresas,
ficando, no descumprimento, violados os princípios da legalidade e da
moralidade.
6. Agora, aproximando-se novamente a
hora de a onça beber água, em plenas festividades natalinas, em que
interessados remotos e diretos estão desmobilizados e merecidamente desligados
de seus interesses políticos e econômicos, bate às portas do Senado Federal um
Projeto de Lei Complementar, aprovado não no Plenário da Câmara dos Deputados,
mas de sua Comissão de Constituição e Justiça, que leva o nº 79/2016, para
votação às vésperas do Natal.
7. Somente não se tornou lei
porquanto uma decisão do Ministro Teori Zavascki admitiu um mandado de
segurança impetrado por uma dezena de senadores, o qual, embora não tenha
deferido de plano a liminar requerida, determinou ao Presidente do Senado a
prestação de informações.
8. O PLC “adapta” o regime de
concessão em autorização. A primeira observação: se os contratos de concessão
estavam extintos, por decurso de prazo, como adaptá-los a outro regime de
outorga?
9. Por meio dessa estranhíssima
garatuja jurídica, que altera a Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, as
concessionárias ficam dispensadas de restituir o referido acervo à União,
assumindo, em contrapartida, um etéreo compromisso de compensação mediante
novos investimentos no setor.
10. Segundo o § 2º do art. 68-B, sob
a nova redação imprimida pelo PLC, o processo de adaptação dar-se-á de forma
“não onerosa”.
11. Não sendo contratual a
autorização, não há mais prazo final.
12. É a infinitude em favor das
empresas monopolistas de telefonia móvel no Brasil, controladas por empresas
estrangeiras, com a utilização gratuita do patrimônio dos brasileiros.
13. Esse patrimônio foi orçado pelo
Tribunal de Contas da União, em 2013, no montante de 105 bilhões de reais. A
Anatel apontou 17,7 bilhões. Essa diferença, corrigida, permanece até hoje.
Afinal, quem está com a verdade? O TCU se pronunciou no sentido de que “foram
identificadas inconsistências nas RBR (bens reversíveis) e no tratamento dado
pela Anatel a esses valores depreciados, as quais podem comprometer a
confiabilidade, a atualidade e a fidedignidade desses números” (idem, Valor,
pg. B1).
14. A diferença, se procedente, pode
“colocar o Brasil nos trilhos”. É necessário apurar.
15. O mandado de segurança impetrado
pelos Senadores só questiona aspectos formais da tramitação congressual do PLC.
16. O monopólio e o domínio de
mercados é vedado pela CF (art. 170, IV, c/c art. 173, § 4º). Este último diz:
“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados,
à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. O PLC
analisado incorre em todas as vedações: o abuso do poder econômico foi
politicamente institucionalizado, a supressão de nova concorrência está
manifesta na ausência de nova licitação e o aumento arbitrário dos lucros é
inerente ao que se propõe.
17. Esclareça-se que temos cerca de
1.000 empresas tecnologicamente capazes de exercer o serviço de
telecomunicações, se contarem, em regime de concessão, com a infraestrutura
estatal posta a serviço das gigantes que se contam nos dedos. Reunidas, têm
pouco mais de 5% do mercado, nas “zonas brancas”, onde estas não revelam
interesse. Ao longo desses anos, todas elas foram estranguladas por atos da
Anatel.
18. Enfim, monopólios controlados por
multinacionais, garantidos pela não licitação e pelo uso gratuito de nossos
bens por tempo indeterminado. Desencontro dos números com o TCU e defesa
intransigente dos interesses empresariais, e não do Brasil, pelo Presidente da
Anatel, Sr. Juarez Quadros. A verificar-se suas condutas e de outros à frente
dessa importantíssima agência.
É óbvio que falta ética ao se propor
política de austeridade sobre salários dos trabalhadores e benefícios previdenciários,
enquanto uma operação política, no mínimo suspeita, poderá corroer
significativamente a riqueza nacional.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é
advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
"Telecomunicações e o Projeto de
Lei das Teles, artigo de Amadeu Roberto Garrido de Paula," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 6/01/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/01/06/telecomunicacoes-e-o-projeto-de-lei-das-teles-artigo-de-amadeu-roberto-garrido-de-paula/.
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