IMPRENSA EM QUESTÃO > A ARMA DAS VERBAS
PUBLICITÁRIAS
Temer tira a grande imprensa do vermelho
Por Pablo Antunes em 13/10/2016 na edição 923
Há
anos, cientistas políticos alertam que o pior de um presidencialismo de
coalizão é a pulverização de favores a líderes políticos de diversos partidos
em um troca-troca que envolve ministérios, secretarias e cargos de chefia em
estatais em favor de apoio nas casas parlamentares e no aparelhamento do Estado.
A esse tenebroso cenário se soma uma outra
coalizão que em nada respeita o direito do cidadão à informação e à liberdade
de expressão. Desde que assumiu a presidência da república, interinamente,
depois definitivamente, o governo Michel Temer elevou, sem qualquer
constrangimento, as verbas publicitárias para a grande mídia oligárquica que
produz as manchetes que informam e desinformam a maior parte da população
brasileira. Essas empresas são: as Organizações Globo, as editoras Abril e
Caras, os grupos Folha/UOL, Estadão e Band.
Inicialmente, o leitor precisa saber que as
verbas publicitárias são um importante ferramenta de qualquer governo para
falar com a população. Por meio da propaganda, o povo é informado de campanhas
de vacinação, projetos sociais, ações educativas, alterações de regras da
previdência social, dos prazos para pagamentos de impostos, entre outros.
Portanto, quanto mais municípios forem abrangidos, maior será a população a
receber a mensagem.
Contudo, o governo de Michel Temer retoma uma
velha prática comum às administrações de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
quando a regra era dar muito a poucos, reproduzindo uma antiga característica
que marca a desigualdade em nossa sociedade. Ao deixar a presidência da
república, Fernando Henrique chefiava um governo que pagava cerca de R$ 2,3
bilhões ao ano a 499 veículos de mídia (redes de TV e rádio, jornais, revistas
e outros). Com esse número de empresas, as verbas publicitárias se concentravam
bastante nos cofres da Globo e da Abril.
A partir de 2003, quando Lula assumiu o
comando do governo federal, houve uma maior partilha das verbas usadas para as
propagandas, sem que houvesse aumento significativo do total investido. Isso
significa que mais receberam menos, ou seja, foi dado um passo em direção a um
melhor equilíbrio (que na prática não chegou a se concretizar). Com menos
dinheiro recebido do governo, a editora Abril encabeçou uma cruzada contra os
governos do PT, mas não foi a única.
Nos dias 14 de junho e 29 de setembro, a Folha publicou textos que tratavam do corte
de verbas publicitárias para blogs considerados “pró-PT” por parte do governo
Temer, sem citar os valores aumentados das mesmas para Globo, Abril,
Caras, Band, além
de empresas do Grupo Folha, como o próprio jornal Folha de S. Paulo e o UOL. Essa atitude que
fere a liberdade de expressão foi o suficiente para que o jornalista Miguel do
Rosário, do blog O Cafezinho, investigasse os números disponibilizados no
site da Secom (Secretaria de Comunicação Social ligada à presidência da
República).
A generosidade
com a mídia oligárquica é indecente porque,
ao mesmo tempo, o governo de Temer se empenha na sedução de parlamentares
para obter a aprovação da PEC 241, com o discurso hipócrita de que é necessário
cortar despesas para diminuir o endividamento público do Estado, atingindo
setores fundamentais da sociedade como a saúde e a educação.
Diferente de um presidente que chega ao poder
encabeçando uma chapa eleitoral e expondo o seu plano de governo, que após o
pleito vencido organiza uma coalização com as legendas partidárias que o
apoiaram, o atual chefe do executivo federal agora paga a conta a quem o ajudou
a vencer uma eleição indireta armada em um julgamento político amplamente
fomentado por conglomerados de mídia que se sentem muito confortáveis em um
desigual seleto clube de poderosas empresas acostumadas com o monopólio da
informação.
Enquanto o governo propõe cortes de
investimento na saúde pública pelos próximos 20 anos, apenas entre maio e
agosto de 2016 (período de Michel Temer na presidência) as Organizações Globo
receberam mais de R$ 15,8 milhões.
No mesmo período, enquanto o governo de Temer
se esforça para tornar mais duras as regras de aposentadoria, o UOL recebeu mais de R$ 691 mil, a Folha, mais de R$ 426
mil, somando a apenas essas duas empresas do Grupo Folha uma quantia superior a
R$ 1,1 milhão.
Ao mesmo tempo em que o governo Temer propõe
dificultar o acesso ao seguro-desemprego e sinaliza com a perda de outros
direitos trabalhistas, as editoras Caras e Abril recebem mais de R$ 1,3 milhão
e R$ 350 mil, respectivamente.
Enquanto uma parte da sociedade se mobiliza
para discutir o que representa a PEC 241 para a educação pública nas duas
décadas seguintes, o governo Temer paga, com dinheiro público, mais de R$ 3
milhões para o Facebook e
mais de R$ 616 mil para o Twitter veicularem propagandas governamentais.
Quase 1,3 milhão em quatro meses
Depois
de um governo Dilma Rousseff que parou de pagar publicidade em jornais
impressos em 2015, essas empresas voltaram a receber verbas para as suas
publicações. Entre maio e agosto de 2016, O Globo recebeu
mais de R$ 331 mil; o Estadão, R$ 307 mil; a Folha, R$ 303 mil; o Valor, R$ 347 mil.
São esses mesmos veículos de mídia que tentam
convencer o cidadão da necessidade de cortes no orçamento em setores que não
representam custos (como a saúde e a educação), mas investimentos no que há de
mais importante em uma nação: a sua população. No retrocesso do governo Temer,
corremos o risco de vivermos um Estado que governa apenas para o próprio
Estado, o que na prática é uma mal disfarçada forma de oligarquia maquiada com
algumas pinceladas de democracia a cada dois anos, de eleição a eleição.
Enquanto
o governo Temer tira a velha mídia oligárquica do vermelho para conduzir a
população mais desassistida a décadas de incertezas em setores fundamentais do
bem estar social, importantes pontos para uma verdadeira transformação do país,
bem como para recuperação da sua economia, são ignorados por quem prefere que
os pobres paguem a conta por contínuas irresponsabilidades fiscais de governos
de diferentes vertentes ideológicas, nos quais se incluem a antiga Arena, o
PMDB, o PSDB, o PT e os partidos menores que colaboraram com essa situação em
nome de uma coalizão, que bem poderia ser traduzida como um troca-troca lesivo
aos interesses do povo.
Mesmo com toda a verba publicitária despejada nos cofres da Globo,
da Abril, da Folha/UOL, do Estadão, da Band, do Facebook, do Twitter, entre
outros, vai ser difícil para Michel Temer explicar as seguintes questões:
·
Com o teto que limita o investimento na
educação pelos próximos 20 anos, como as escolas públicas receberão as crianças
diagnosticadas com microcefalia e infectadas com o vírus zika, que exigirão um
trabalho especial por parte dos educadores?
·
Com o envelhecimento da população brasileira,
como o SUS atenderá uma demanda crescente de pacientes com caros tratamentos
para doenças crônicas?
·
O governo federal não pensou em propor uma PEC
para congelar os salários dos políticos por 20 anos?
·
Ou para extinguir as privilegiadas aposentadorias
para políticos e pensões para os dependentes daqueles que serão eleitos a
partir de 2018?
·
Ou rever a carga tributária tão agressiva para
os pobres e tão branda para os ricos?
·
Ou a taxação de grandes fortunas e de heranças?
Sem respostas a essas perguntas essenciais, nos embasbacamos com a
grande mídia fomentando o debate que divide o Brasil em PSDB e PMDB de um lado
e PT de outro. Nesse pobre roteiro de bang-bang sem mocinhos, qualquer cidadão
mais crítico há de perceber que todos deram provas de incompetência na condução
do país.
Concomitantemente, é com dinheiro público que revistas, jornais e
redes de televisão produzem textos para definir uma primeira-dama como bela,
recatada e do lar, bem como para conduzir debates para convencer o cidadão
assalariado de que ele precisa renunciar a direitos para ajudar o Brasil a
melhorar a sua situação financeira. Com a distribuição de verbas publicitárias
e com uma mídia menos combativa, o governo com sua retórica vazia segue dando
maus exemplos.
Pablo
Antunes é psicólogo e escritor. Publica o blog LiteromaQuia
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