Singularidade
Tecnológica Ou Estagnação Secular?
Artigo De José Eustáquio Diniz Alves
Redação - 19/10/2016
“Otimista é um pessimista mal
informado!”
[EcoDebate] Uma pergunta que esteve na moda no século XVIII
e que mobilizou o debate entre os iluministas da época (e sempre volta à tona)
é: O mundo caminha para o aperfeiçoamento da civilização ou para o retrocesso
da barbárie?
Nos
últimos 250 anos, o otimismo da evolução humana venceu o pessimismo (embora não
se possa falar o mesmo sobre o meio ambiente). O progresso humano foi
espetacular. Em nenhum momento da história houve tanto crescimento das forças
produtivas, tanta de bens e serviços e tantos avanços sociodemográficos. A
despeito das desigualdades, os níveis educacionais e de renda aumentaram em
todos os países e a esperança de vida ao nascer da população mundial que estava
em torno de 25 anos no último quartel do século XVIII, ultrapassou os 70 anos
nos anos 2000.
Do ponto
de vista dos animais racionais, os otimistas têm razão, pois, desde o início da
Revolução Industrial e Energética, o passado recente da humanidade tem sido um
sucesso. Nunca os seres humanos tiveram tanta riqueza e tanta influência sobre
a dinâmica da vida e sobre os recursos do Planeta quanto atualmente.
Porém, há
muitas dúvidas e questionamentos sobre como será o amanhã. Há visões e
perspectivas sombrias e brilhantes para o século XXI. Os pessimistas consideram
que a economia caminha para a estagnação secular, para o aumento das
desigualdades sociais e para uma grande crise ecológica e climática. Já os
otimistas consideram que estamos no meio de uma quarta Revolução Industrial e
de uma ruptura histórica em que a humanidade iniciará um estágio de colossal
avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo, superando tudo que já foi
feito no passado. Vejamos rapidamente as duas visões.
O gráfico
acima mostra que houve uma grande redução da produtividade entre os países do
G-7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá),
que são também países ricos e mais desenvolvidos tecnologicamente e com alta
intensidade de capital físico e capital humano. O estudo dos economistas Martin
Neil Baily and Nicholas Montalbano (The Brookings Institution, setembro de
2016) mostra que a produtividade é o fator mais importante do aumento do nível
de vida no longo prazo. Porém, eles dizem que existe uma enorme frustração com
as tendências atuais da economia.
Logo
depois da Segunda Guerra a produtividade do trabalho nos países do G-7 ficou em
torno de 3% ao ano até o início da década de 1970 (foram os chamados 30 anos
gloriosos). Mas logo depois do choque do petróleo houve uma queda da
produtividade que foi parcialmente compensando na década de 1990, especialmente
nos Estados Unidos e Canadá, em decorrência do avanço dos computadores pessoais
e da Internet. Mas a partir de 2004, mesmo com todos os avanços tecnológicos, a
produtividade voltou a cair e nunca esteve em nível tão baixo.
O economista neoclássico americano, grande entendido em crescimento
econômico e ganhador do prêmio Nobel de economia, Robert Solow, disse: “You can see the computer age
everywhere except in the productivity statistics.” (Você pode ver a presença do
computador em todos os lugares, exceto nas estatísticas de produtividade).
A melhor
explicação para a situação atual de baixa produtividade das economias avançadas
vem do professor Robert J. Gordon, da Universidade Northwestern, no famoso livro
“The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the
Civil War”. Gordon não discorda do papel histórico desempenhado pela tecnologia
no passado. Ele recapitula os vínculos entre períodos de rápida expansão
econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI) precedentes e
mostra que a segunda RI teria sido a mais importante em termos de acelerar o
crescimento econômico, garantindo 100 anos (1870-1970) de acelerado avanço na
produtividade.
Mas ele
argumenta que este evento excepcional que ocorreu no passado é único no tempo e
não vai se repetir. A soma do aumento do custo da extração dos combustíveis
fósseis e a perda dos ganhos de produtividade pode funcionar como freio ao
crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América
(EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que
estão desacelerando o crescimento econômico: 1) aumento das desigualdades
sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição
provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos
déficits e do endividamento privado e público.
O autor
sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas
todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento
econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Para as sociedades emergentes, os
“ventos contrários” também existem, mas sopraram com menos intensidade durante
o superciclo das commodities. É difícil imaginar que os países em desenvolvimento
possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica
parecida nos países desenvolvidos. Assim, Robert Gordon é um dos representantes
do pensamento pessimista que enxerga um futuro de baixo crescimento da economia
e do padrão de vida humano e aponta para a tendência da estagnação secular.
Mas
existem as pessoas que acreditam em um futuro brilhante e defendem a ideia da
Singularidade Tecnológica, que seria um evento no qual a humanidade alcançaria
um estágio de fenomenal avanço tecnológico que inclui biotecnologia,
inteligência artificial, nanotecnologia, robótica, etc. A ideia é que
tecnologias de várias áreas evoluem tão aceleradamente que vão mudar a
realidade e reconfigurar completamente a arquitetura do modo de vida da população
mundial. O termo “singularidade” foi emprestado da física e é um termo que
exprime aquilo que está além da nossa capacidade de cognição e previsibilidade.
O
cientista e empresário Ray Kurzweil, escreveu, em 2006, o livro The Singularity
is Near (A Singularidade Está Próxima) e virou palavra-chave entre os
futurologistas que acreditam em um progresso científico ilimitado. Uma das
destacadas pessoas a falar do impacto exponencial da tecnologia foi o
engenheiro Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, que formulou a conhecida
Lei de Moore, mostrando que a capacidade de processamento dos chips dobra a
cada 18 meses. Ou seja, é uma progressão geométrica que se aplicada a outras
tecnologias têm o poder de multiplicar a produtividade da economia. Eles argumentam
que a humanidade terminará o atual século muito diferente de como começou.
A
Singularidade Tecnológica aponta alguns possíveis caminhos para a explosão
tecnológica: Biotecnologia e pessoas pós-humanas – com a engenharia genética a
doenças serão curadas e a capacidade do cérebro será elevada ao extremo além de
nos ligar a computadores para unir a nossa criatividade à capacidade de
processamento deles. O avanço será tão impressionante que será o fim da
humanidade e o começo de uma nova Era Transumana (Trans-humana). O
Transumanismo vai usar as novas tecnologias disponíveis para aumentar
consideravelmente as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas das
pessoas (mas sobre o transumanismo falaremos em outro artigo).
Os avanços
das telecomunicações e da capacidade de transmitir informações aumentará os
ganhos de inteligência e no futuro, haverá meios de comunicação mais eficazes
que a escrita e a fala. Com a nanotecnologia e a robótica aumenta a
possibilidade de se criar máquinas capazes de se fundir a sistemas orgânicos e
estender as nossas capacidades ou realizar bens e serviços e acelerar o
desenvolvimento. Outra possibilidade da nanotecnologia é construir objetos
átomo por átomo, chegando ao ponto de montar um cérebro humano artificial ou
até mesmo uma pessoa por inteiro (transumana).
Ainda para
a Singularidade Tecnológica o avanço dos computadores e da Inteligência
Artificial possibilitaria que as máquinas evoluíssem na mesma velocidade que os
processadores evoluem hoje. A princípio, a capacidade deles dobraria a cada 18
meses. Mas como serão mais rápidos, passarão a dobrar a cada nove meses, daí
4,5 meses e, umas gerações depois, chegará a singularidade absoluta.
O livro
The Second Machine Age: Work, Progress, and Prosperity in a Time of Brilliant
Technologies (2016) de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee se encaixa nesta linha
da Singularidade e é fundamentalmente otimista em relação ao progresso
tecnológico, social e econômico do mundo. Eles acreditam no poder da tecnologia
e consideram que as políticas públicas e a iniciativa privada devem preparar as
pessoas para a nova Era econômica de progresso que mudará radicalmente a
paisagem do mundo. No reino da Singularidade não haveria estagnação,
rendimentos decrescentes e escassez. Singularidade também não combina com
guerras e destruição como ocorre na Síria, uma das mais antigas civilizações do
mundo.
Evidentemente
este debate está aberto. Ninguém é capaz de prever com certeza o futuro. Não
sabemos se o mundo vai ficar preso à estagnação secular e à baixa produtividade
(como os últimos dados apontam) ou se estamos apenas iniciando um grande Era de
progresso e avanço sem precedentes na história humana. Pretendo voltar mais
vezes a estes assuntos. Mas por enquanto, vale a pena ver o debate entre Robert
Gordon e Erik Brynjolfsson em uma palestra TED (ver link abaixo), ocorrida em
2013. Este debate é um bom exemplo sobre as alternativas que a humanidade tem
pela frente.
Referências:
Martin
Neil Baily and Nicholas Montalbano. Why is us productivity growth so
slow? Possible explanations and policy responses, The Brookings
Institution, Hutchins Center Working Paper #22 September 2016
Robert
Gordon and Erik Brynjolfsson debate the future of work at TED 2013
https://www.youtube.com/watch?v=ofWK5WglgiI
https://www.youtube.com/watch?v=ofWK5WglgiI
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é
Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas
– ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
"Singularidade
tecnológica ou estagnação secular? artigo de José Eustáquio Diniz Alves,"
in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/10/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/10/19/singularidade-tecnologica-ou-estagnacao-secular-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
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