Por
sucatear serviços públicos, governo levará parte da população a descrer da idéia
de direitos e a comprar, no mercado, Saúde, Educação e Previdência
Uma das principais consequências que o "golpeachment" pode
proporcionar ao País refere-se à implementação de um conjunto de medidas que já
haviam sido sistematicamente rechaçadas pelas urnas nas eleições presidenciais
de 2002, 2006, 2010 e 2014. A agenda assumidamente conservadora envolvida nas
candidaturas de Serra, Alckmin e Aécio não conseguiu convencer a população e a
opção majoritária sempre foi no sentido de apoiar o processo político visando a
consolidação da melhoria da distribuição de renda e da diminuição das
desigualdades.
As dificuldades
que começaram a surgir no domínio da política macroeconômica terminaram por
induzir o governo Dilma a adotar as soluções apresentadas pelos setores ligados
ao capital financeiro. Com isso, cresceu o espaço para a consolidação de uma
narrativa ortodoxa hegemônica a respeito dos problemas nacionais, e que se
propaga com fluidez através dos meios de comunicação. Para além das denúncias
seletivas envolvendo os casos de corrupção da Lava Jato, o foco da imprensa
passa a ser a criminalização das alternativas para a política econômica que não
fossem as previstas na cartilha da ortodoxia.
Tudo pode ser
resumido naquilo que passou a ser chamado genericamente de “irresponsabilidade
fiscal”. De acordo com as opiniões dos “especialistas” e articulistas vinculados
ao financismo, tudo não teria passado de má fé e incompetência de um governo
irresponsável e populista. E ponto final. O que o Brasil necessitaria é de uma
equipe governamental com um perfil oposto e que contasse com o bem querer e a
simpatia dos detentores do capital. Bingo!
Pouco a pouco,
diversos representantes de setores que haviam compartilhado das benesses de
poder desde a primeira eleição de Lula vão abandonando o barco de Dilma e do
PT. Para comprovar tal incoerência aparente, basta olhar os nomes de boa parte
dos ocupantes de ministérios e integrantes da base de apoio governista no
Congresso Nacional. Estavam com Dilma e ficaram com Temer.
O desenrolar dos
acontecimentos é conhecido de todos nós. Consumado o golpe e o afastamento de
Dilma, Temer assume o governo e resgata o programa elaborado pela Fundação
Ulysses Guimarães do PMDB, presidida por Moreira Franco. As propostas
constantes do documento “Ponte para o Futuro” consolidam a via
liberal-conservadora para nossa crise, com especial atenção dedicada à saída do
Estado da economia, em uma espécie de recuperação anacrônica dos desígnios do
neoliberalismo já ultrapassado no resto do mundo.
O mote para
viabilizar tal estratégia é a crise fiscal. Argumentando ao extremo a respeito
de uma suposta falência orçamentária estrutural do Estado brasileiro, o novo
governo apresenta um conjunto de medidas de redução do espaço público na
economia. Assim, pretende-se promover a venda de ativos importantes das
empresas estatais ainda existentes, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica
Federal e a Petrobrás. Por outro lado, o estratégico “Programa de Parcerias de
Investimento” (PPI) lança novas oportunidades de investimento privado em áreas
de presença tradicional do setor público, como infraestrutura e energia.
O círculo se fecha com a profunda asfixia na maneira como se
encara a busca de soluções para a situação fiscal. Ao manter a armadilha do
superávit primário como plano orientador do voo, o governo continua mirando
apenas no corte das despesas de natureza social e de investimentos no
orçamento. Dessa forma, ficam livres para crescer os gastos de natureza
financeira, envolvidos no pagamento de juros da dívida pública. Para o
exercício atual, a previsão é de encerramento do ano com um déficit de R$ 176
bilhões nas contas do governo federal.
PEC 241 e a
redução dos gastos sociais.
A intenção
declarada é aproveitar dessa oportunidade única de ter chegado ao poder sem o
voto popular para implementar o conjunto do pacote de maldades, com impacto de
longo prazo. Essa é a lógica que está por trás da PEC 241, que promete congelar
as despesas primárias por 20 anos, ao introduzir no corpo da Constituição
aquilo que eufemisticamente foi qualificado como “Novo Regime Fiscal”.
Ora os estudos e
pesquisas são unânimes em denunciar o absurdo volume de perdas que seriam
imputados a setores como previdência social, saúde, educação, assistência
social, cultura, esportes, investimentos, funcionalismo e outros. Como a
fórmula prevê o teto máximo de correção pelos índices inflacionários a cada
ano, na prática isso significa uma redução dos valores atribuídos a tais áreas.
Isso porque certamente haverá crescimento populacional no período e o gasto per
capita vai cair. Ou ainda pelo fato de que o eventual crescimento do PIB em
algum período ao longo das próximas duas décadas tampouco será considerado para
efeito de maior despesa primária.
Por mais que o
governo tente dourar a pílula e fazer contorcionismo retórico, o fato é que a
intenção do Novo Regime Fiscal é impor redução de gastos. As polêmicas
permanecem apenas na determinação dos números bilionários relativos a tais
diminuições. Estudo elaborado
pelo IPEA chega a
apurar uma perda potencial de R$ 654 bilhões apenas para a área da saúde até
2036. Já as perdas para assistência social são estimadas em R$ 868 bi ao longo
dos vinte anos, de acordo com outro estudo
da mesma instituição de pesquisa do próprio governo federal.
Nesse modelo
elaborado a partir de uma concepção meramente financeira do Brasil e do mundo,
apenas poderão crescer os valores orçamentários das despesas associadas a operações
da política monetária ou destinados ao pagamento de juros da dívida. Uma
loucura!
Como se pode
perceber, esse sistema inviabiliza que sejam assegurados pelo Estado aos
cidadãos e cidadãs aqueles direitos sociais previstos na Constituição. O
discurso liberal já se preparou para esse fato e constrói a lengalenga de que o
modelo previsto em 1988 não cabe mais no Orçamento de 2016. Assim, a solução
passa por transferir de forma crescente a oferta de serviços como saúde,
previdência e educação para o setor privado. Essa, aliás, tem sido a tendência
observada ao longo dos últimos anos. O capital internacional já farejou esse
novo campo de ganhos seguros e fundos multinacionais de investimento já estão
penetrando pesado em educação e saúde, por exemplo.
Asfixia e
privatização.
A PEC 41 chega,
portanto, para não deixar mais sobra de dúvidas a respeito desse caminho. O
Estado não poderá mais gastar nesses setores, nem mesmo se a população quiser e
se houver sobras de caixa. Haverá proibição constitucional. Ao longo das
próximas décadas, a única alternativa para tornar real esse tipo de serviço
essencial será recorrer aos empreendimentos realizados pelo capital privado. O
reino absoluto da mercantilização dos direitos de cidadania.
Ao estabelecer o
garrote na capacidade orçamentária, o governo impede a promoção do crescimento
e do aperfeiçoamento da rede pública de saúde, previdência social, educação,
assistência social, entre outras. Assim, os mentores do governo Temer hipotecam
o futuro da Nação aos desejos do capital privado e às regras insensíveis do
mercado de bens e serviços.
A PEC 241 é o
caminho seguro para consolidar e perpetuar o mecanismo perverso da privatização
como principal instrumento de políticas públicas em nosso País.